Corte Interamericana de Direitos Humanos publica Opinião Consultiva sobre Emergência Climática e Direitos Humanos

Pronunciamento da Corte inaugura marco interpretativo ao reconhecer a crise climática como ameaça estrutural aos direitos humanos no continente americano
3 de julho de 2025
  • Gabriel Mantelli e Isabela Bicalho 
emergência climática direitos humanos
Bruno Peres/Agência Brasil

Em 3 de julho de 2025, a Corte Interamericana de Direitos Humanos publicou a Opinião Consultiva nº32, estabelecendo, pela primeira vez, uma interpretação substantiva e abrangente sobre as obrigações dos Estados diante da emergência climática. O documento, solicitado por Chile e Colômbia em janeiro de 2023, inaugura um novo capítulo na jurisprudência interamericana ao reconhecer a mudança do clima como um fator que compromete, de forma estrutural e sistêmica, a efetividade dos direitos humanos.

A consulta instou a Corte a reinterpretar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Protocolo de San Salvador à luz da crise climática, ultrapassando a abordagem setorial do meio ambiente. Em resposta, a Corte afirmou que o colapso climático deve ser compreendido como uma condição que reorganiza a totalidade dos riscos e vulnerabilidades sociais, exigindo das instituições uma abordagem transversal, interseccional e baseada em direitos. Com isso, a decisão representa um verdadeiro giro hermenêutico no direito internacional dos direitos humanos.

Durante o processo, foram realizadas audiências públicas em Bridgetown (Barbados), Brasília e Manaus (Brasil), com a participação de representantes de diversos Estados, instituições acadêmicas, organizações da sociedade civil, povos indígenas e comunidades locais. O engajamento coletivo demonstrou que a função consultiva da Corte não se limitou a responder tecnicamente às perguntas formuladas, mas serviu também como arena de escuta e mobilização regional.

Entre os principais avanços interpretativos da Opinião Consultiva, destaca-se o reconhecimento do direito a um clima estável como parte integrante do direito a um meio ambiente saudável. A Corte também elevou a obrigação de prevenir danos irreversíveis ao ambiente à categoria de norma de jus cogens, uma norma inderrogável do direito internacional. Isso significa que todos os Estados, independentemente de sua ratificação de tratados específicos, estão obrigados a cumpri-la.

Além disso, a Corte estabeleceu que os Estados têm o dever de adotar medidas com diligência reforçada, com base na melhor ciência disponível e com atenção especial aos riscos cumulativos e de longo prazo. Reconheceu, ainda, o dever de cooperação internacional, especialmente no tocante ao financiamento climático, à transferência de tecnologias e à promoção da transição justa, reafirmando os princípios da responsabilidade comum, porém diferenciada.

A decisão também reforça os direitos de grupos historicamente vulnerabilizados, como povos indígenas, comunidades afrodescendentes, mulheres, crianças e defensoras e defensores ambientais, exigindo dos Estados proteção diferenciada e políticas inclusivas. Paralelamente, a Corte ampliou o escopo dos direitos procedimentais no contexto climático, ao afirmar os direitos ao acesso à informação, à participação política e ao acesso à justiça como garantias fundamentais para a governança democrática.

Outro ponto de destaque é a valorização dos saberes tradicionais, locais e indígenas que, junto ao conhecimento científico, devem orientar a formulação de políticas públicas climáticas justas e eficazes. Ao reconhecer múltiplas formas de conhecimento, a Corte contribui para romper com uma visão tecnocrática e centralizada da ação climática, abrindo espaço para epistemologias situadas e experiências territoriais.

A Opinião Consultiva, portanto, representa um marco interpretativoe político de enorme relevância para a proteção dos direitos humanos em tempos de colapso ecológico. Ela consolida o papel do Sistema Interamericano como instrumento de vigilância e orientação diante das injustiças climáticas e oferece uma base jurídica robusta para a atuação de tribunais, defensorias, movimentos sociais, comunidades e instituições comprometidas com a justiça no continente.

Gabriel Mantelli  é doutorando em Filosofia e Teoria do Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Advogado com atuação nas áreas de direitos humanos, justiça climática e teoria jurídica. É diretor-executivo do Instituto Ação Climática. 

Isabela  Bicalho é mestranda em Direito Internacional Público pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Advogada com atuação em direito ambiental e climático. Atualmente é tesoureira do Instituto Ação Climática. 

E-mail para contato:  [email protected] 

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