
A indústria de petróleo e gás é responsável por 45% das emissões de gases de efeito estufa geradas pela atividade humana em todo o mundo, informa a Agência Internacional de Energia (IEA). Isso significa que o setor é responsável por quase metade da crise climática em que estamos metidos.
A poluição ambiental e atmosférica é intrínseca às atividades e aos produtos desta indústria. Gases-estufa são emitidos na exploração de petróleo e gás, no seu transporte, refino, distribuição e, principalmente, na queima dos combustíveis fósseis produzidos pelo setor.
Poluidor pagador
Quem pagará a conta da crise climática? Este é um dos grandes impasses que vêm travando as negociações internacionais sobre o tema. Se conseguíssemos aplicar em nível internacional o princípio do poluidor-pagador, as petroleiras deveriam pagar por cerca da metade do custo da transição energética, das perdas e danos dos países que menos fizeram para provocar a crise e dos custos da adaptação ao clima em mudança.
Os lucros das petroleiras têm sido tão volumosos que elas poderiam pagar estes custos e ainda assim terem lucro. Se as 25 maiores empresas de petróleo e gás do planeta, Petrobras incluída, tivessem sido responsabilizadas por seu papel no aquecimento global nas últimas décadas, elas ainda teriam lucrado US$ 10 trilhões, de acordo com o relatório publicado pelo thinktank Climate Analytics. O dano causado pelas emissões de carbono dessas 25 empresas é calculado em US$ 20 trilhões para o período 1985-2018. No mesmo período, estas empresas lucraram US$ 30 trilhões.
ExxonMobil e Shell sabiam
Em 2015, jornalistas investigativos revelaram que a ExxonMobil sabia desde a década de 1970 que a queima dos seus produtos, os combustíveis fósseis, levaria a impactos climáticos potencialmente catastróficos. Investigações posteriores mostraram que a empresa e seus pares do setor de petróleo e gás provavelmente já sabiam desses impactos desde a década de 1950.
A Shell também sabia. Um documento interno e confidencial de 1988 intitulado “O Efeito Estufa” detalha o amplo conhecimento da empresa sobre os impactos e implicações das mudanças climáticas. O documento também revela um programa interno de ciência climática que remonta a 1981, bem antes da fundação do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas que assessora a ONU na questão climática.
Vale ressaltar que as petroleiras agem no mercado como concorrentes, mas são bastante unidas na defesa de seus interesses. Assim, não surpreenderia descobrir que outras companhias do setor também sabiam da relação direta entre combustíveis fósseis e mudanças climáticas, mas, por um acordo corporativo, decidiram se calar em prol de seus ganhos.
Trabalhando contra
Desde pelo menos os anos 1970, as petroleiras tinham relatórios internos mostrando como suas atividades e produtos aquecem o planeta. Ao invés de investirem, então, em pesquisa e desenvolvimento de energias limpas, elas passaram a financiar negacionistas climáticos e campanhas de desinformação nas redes sociais.
Era de se esperar que houvesse pressão dos governos dos países para que essas empresas mudassem suas operações e contribuíssem para a transição energética, baseada em fontes renováveis, com menos emissão de gases-estufa. Acontece o contrário: essas empresas têm investido duas vezes mais em petróleo e gás do que deveriam para limitar o aquecimento global em 1,5ºC e evitar a catástrofe climática. A IAE informa que apenas 2,5% de seus investimentos são feitos em tecnologias de energia renovável e no carregamento de veículos elétricos, por exemplo, enquanto 97,5% destes vão para suas áreas tradicionais de negócio: mais exploração de petróleo e gás fóssil.
Como se não bastasse não fazer nada e atrapalhar o esforço global de combate às mudanças climáticas para tirar o máximo possível de lucro, essas companhias investem pesado em lobby para gerar inércia na resposta à crise por parte de parlamentares e governos.
As grandes petroleiras e o negacionismo climático
As grandes petroleiras financiaram campanhas desenhadas para confundir e enganar o público quanto às mudanças climáticas, concluiu um comitê do partido Democrata organizado na câmara baixa do Congresso dos EUA. O relatório do comitê demonstrou que as empresas ocultaram fatos sobre seu modelo de negócios e obscureceram os perigos reais dos combustíveis fósseis. As conclusões se basearam em documentos internos da Exxon, Shell, BP e Chevron, bem como da organização lobista American Petroleum Institute (API) e da Câmara de Comércio dos EUA.
Além de promoverem o discurso negacionista, as grandes petroleiras financiam diretamente políticos negacionistas. Relatos de um jantar organizado para levantar fundos para a campanha de Donald Trump à presidência dos EUA de 2024 mencionam um acordo pelo qual as grandes petroleiras e outras corporações conectadas ao setor doariam US$ 1 bilhão para a campanha e teriam de volta US$ 110 bilhões em incentivos fiscais se ele retornasse à Casa Branca e acabasse com uma série de regras de combate à crise climática estabelecidas pelo atual governo de Joe Biden.
O que fazer?
Para a sobrevivência das sociedades humanas é essencial que façamos a transição energética para um mundo movido a energia renovável. A tarefa não é fácil, mas é urgente. Na COP29, por influência dos petroestados, os compromissos ficaram muito aquém do necessário. O financiamento climático, por exemplo, foi apenas de US$ 300 bilhões, sendo que o necessário seria de, ao menos, US$ 1 trilhão.
O Objetivo Global de Adaptação (CGA) foi aprovado, mas sem mencionar o Programa de Trabalho sobre Transição Justa; E o artigo 6 do Acordo de Paris, sobre a regulamentação do Mercado de Carbono, foi aprovado. A COP30 carregará o peso de continuar falando sobre financiamento climático.
Abaixo, apontando os principais tópicos reunidos pela sociedade civil para os líderes globais de forma complementar:
Criar mecanismos financeiros (os “meios de implementação” dos compromissos do Acordo de Paris) que permitam aos países em desenvolvimento descarbonizar suas matrizes energéticas e promoverem a sua adaptação aos impactos de um clima cada vez mais extremo. Os recursos necessários para isso são estimados em US$ 1,3 trilhão por ano. Infelizmente os petroestados e os países ricos – os maiores responsáveis pela crise climática – não aceitaram pagar pelo que fizeram e ainda fazem durantes as negociações da COP29 de 2024 realizada no Azerbaijão. O texto final aprovado por manobra da presidência azeri – e sob protestos inflamados de Índia, Nigéria, Cuba e Bolívia – fala apenas dos países ricos “tomarem a liderança” na mobilização de US$ 300 bilhões por ano, e cria uma “rota Baku-Belém” para tentar mobilizar sabe-se lá de onde o US$ 1 trilhão faltante.
Incluir neste plano um compromisso de não exploração de uma parcela significativa das reservas conhecidas. Reconhecendo seu papel histórico na crise climática, os países ricos e os petroestados devem ser os primeiros a abrir mão da exploração de petróleo, gás e carvão. • Incluir também cronogramas de descarbonização por região/país que estabeleçam metas e ditem o ritmo de abandono dos fósseis.
Estabelecer zonas prioritárias de exclusão da proliferação dos combustíveis fósseis, protegendo ecossistemas críticos para a vida no planeta. A Amazônia deve ser uma destas zonas, tanto para a exploração onshore quanto para a offshore.
Estabelecer um imposto global sobre os lucros inesperados do Big Oil e dos petroestados (países cuja economia é essencialmente centrada em combustíveis fósseis).
Implementar a meta de ao menos dobrar o financiamento para adaptação até 2025, aumentando significativamente a proporção, a quantidade, a qualidade e a acessibilidade do financiamento para adaptação e perdas e danos, considerando a aplicação mais eficaz de recursos financeiros no nível local.
Criar mecanismos de troca da dívida externa dos países pobres e em desenvolvimento por ações de mitigação e adaptação à crise climática.
Facilitar aos países pobres e em desenvolvimento o acesso às tecnologias de fontes renováveis de energia e de eficiência energética, liberando-as de patentes e outros entraves ao seu acesso.