Por um acordo global para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis 

COP28-UAE

O ano de 2023 demonstrou, como se nós ainda precisássemos de qualquer demonstração, que não há mais espaço no mundo para continuar explorando combustíveis fósseis. O aumento da temperatura média global deve fechar o ano próximo a 1,5ºC, o limite do Acordo de Paris, e os eventos extremos que testemunhamos nos últimos meses dão um vislumbre estarrecedor do que será o “novo normal” do planeta. 

As indústrias de carvão, petróleo e gás, porém, acham que isso é pouco. Só a queima do petróleo e do gás fóssil existentes nos campos hoje em produção responderia por 140% mais poluição climática do que o orçamento de carbono disponível para a limitação do aquecimento global em 1,5°C. E, se forem concretizados os planos de expansão da produção dos 20 países que mais emitem, esse orçamento seria extrapolado em 190%, “contratando”, assim, um aquecimento perigoso de mais de 2°C.

A única maneira de evitar que o presente trágico se consolide num futuro distópico é frear a exploração de novos reservatórios de combustíveis fósseis em todo o mundo, como preconizado pela Agência Internacional de Energia, e começar a sua eliminação gradual. Sem ações imediatas e ambiciosas será impossível alcançar a redução de 43% (ano base 2019) nas emissões globais até o ano de 2030, único caminho ainda aberto à estabilização do aquecimento global em 1,5ºC.

Os governos de todo o mundo precisam entregar já na COP28 um plano efetivo para a eliminação gradual (phase-out) dos combustíveis fósseis até 2050.

O início desse processo é urgente, e a reunião deste ano da Convenção Clima da ONU, a COP28, precisa entregar um plano efetivo para a eliminação gradual (phase-out) dos combustíveis fósseis até 2050. Só que os países signatários do Acordo de Paris ainda não se propuseram a construir tal plano. E os maiores produtores de petróleo do mundo – dos Estados Unidos à Noruega, passando por China e Brasil – seguem investindo no aumento da produção de petróleo, gás e carvão, cada um achando que será o último vendedor de combustíveis fósseis do planeta. A sede da COP, os Emirados Árabes Unidos, e o presidente da Conferência, o CEO da companhia petroleira estatal daquele país, colocam um desafio adicional a essa entrega. 

Um acordo para o phase-out dos fósseis não deve significar a ruína econômica de países em desenvolvimento. Ao contrário, ele deve considerar as responsabilidades históricas e impulsionar o desenvolvimento econômico sustentável dos países mais pobres, que até hoje não colheram os supostos benefícios da exploração de carvão, petróleo e gás. Tampouco significa fechar de uma vez todos os poços: precisamos de cronogramas de descarbonização por região/país que estabeleçam metas e ditem o ritmo de abandono dos fósseis, bem como forneçam o financiamento para seu alcance. 

Um acordo para o phase-out dos fósseis não deve significar a ruína econômica de países em desenvolvimento. Ao contrário, ele deve considerar as responsabilidades históricas e impulsionar o desenvolvimento econômico sustentável dos países mais pobres.

Proibir a abertura de novas frentes de exploração seria um primeiro passo. Outro, importante e bastante simbólico, seria estabelecer zonas prioritárias de exclusão da proliferação dos combustíveis fósseis, protegendo ecossistemas críticos para a vida no planeta. Entendemos que a Amazônia deve ser uma destas zonas, tanto para a exploração onshore quanto para a offshore. E que é papel dos demais governos do mundo colocar outras áreas no mapa.

Também há que falar de responsabilidades. Afinal, os países que menos contribuíram para as emissões históricas carregam um fardo pesado imposto pela crise climática, uma vez que seus impactos atingem primeiro e de forma mais violenta as populações mais vulneráveis. Daí que os países ricos e os petroestados devem ser os primeiros a abrir mão da exploração de petróleo, gás e carvão. Esses países devem também contribuir com os países pobres e em desenvolvimento com o pagamento de um imposto global sobre os lucros inesperados do Big Oil e das estatais dos petroestados. O valor arrecadado forneceria um apoio financeiro crucial aos países pobres e em desenvolvimento em sua batalha contra as mudanças climáticas. Tal imposto já foi demandado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres.

São também necessários outros mecanismos financeiros que permitam aos países pobres e em desenvolvimento descarbonizar suas matrizes energéticas e se adaptar aos impactos de um clima cada vez mais extremo. 

O plano de phase-out dos combustíveis fósseis deve conter mecanismos financeiros que permitam aos países pobres e em desenvolvimento descarbonizar suas matrizes energéticas e se adaptar aos impactos de um clima cada vez mais extremo. 

Um mecanismo que pode ser implementado rapidamente é a troca da dívida externa dos países pobres e em desenvolvimento por ações de mitigação e adaptação à crise climática. Além da reparação de uma dívida histórica, a medida daria espaço para que os países pobres e em desenvolvimento tenham o devido protagonismo na construção de uma nova política climática global, mais justa e inclusiva.

Outra medida fundamental é facilitar aos países pobres e em desenvolvimento o acesso às tecnologias de fontes renováveis de energia, liberando-as de patentes e outros entraves ao seu acesso. O acesso à tecnologias e processos de eficiência energética e às fontes renováveis de energia deve ser tratado como um direito universal, pois todo o planeta se beneficiará de sua ampla disseminação.  

E precisamos também internalizar as pautas da pobreza e da desigualdade social nas negociações que acontecem no âmbito da Convenção do Clima. É essencial que os planos de eliminação gradual dos combustíveis fósseis promovam também a redução da desigualdade e da pobreza. 

Não há dúvida de que a solução para a crise climática global será plural e multifacetada, e nós, dos países pobres e em desenvolvimento, precisamos estar no centro do processo de sua construção. O Brasil tem condições bastante favoráveis para capitanear a construção deste acordo. O país tem hoje um governo que, apesar de muitas contradições, prioriza o combate às mudanças climáticas. Tem também florestas, água, território, um gigantesco potencial adicional de geração de energia renovável, minerais raros, base industrial, mão de obra, e capacidade intelectual, incluindo a diversidade de saberes das populações tradicionais. E, além disso, o país terá a presidência do G20 neste próximo período e organizará a COP30 em 2025, o que dá a chance de pautar a ambição global e liderar pelo exemplo.

O Brasil tem tudo para liderar o plano global de phase-out dos fósseis. E pode exercer este papel já na COP28, na presidência do G20 e na COP30 de Belém.

Em síntese, as organizações e redes signatárias deste documento demandam: 

  • Que os países estabeleçam na COP28 um plano global para a eliminação gradual da exploração e queima de combustíveis fósseis, visando a redução de pelo menos 43% das emissões globais até 2030 e 60% até 2035 abaixo dos níveis de 2019, liderados pelos países desenvolvidos e petroestados. Neste plano devem constar o fim da prospecção e da exploração de novas reservas de combustíveis fósseis, a eliminação gradual da produção e a eliminação progressiva  do financiamento público e dos subsídios ao setor.
  • Que seja incluído neste plano um compromisso de não exploração de uma parcela significativa das reservas conhecidas. Reconhecendo seu papel histórico na crise climática, os países ricos e os petroestados devem ser os primeiros a abrir mão da exploração de petróleo, gás e carvão.
  • Que sejam elaborados e acordados cronogramas de descarbonização por região/país que estabeleçam metas e ditem o ritmo de abandono dos fósseis.
  • Que sejam estabelecidas zonas prioritárias de exclusão da proliferação dos combustíveis fósseis, protegendo ecossistemas críticos para a vida no planeta. A Amazônia deve ser uma destas zonas, tanto para a exploração onshore quanto para a offshore.
  • Que sejam criados mecanismos financeiros que ultrapassem significativamente os 100 bilhões de dólares prometidos pelos países ricos e que permitam aos países pobres e em desenvolvimento descarbonizar suas matrizes energéticas e se adaptarem aos impactos de um clima cada vez mais extremo. 
  • Que seja estabelecido um imposto global sobre os lucros inesperados do Big Oil e dos petroestados. 
  • Que seja implementada a meta de ao menos dobrar o financiamento para adaptação até 2025, aumentando significativamente a proporção, a quantidade, a qualidade e a acessibilidade do financiamento para adaptação e perdas e danos, considerando a aplicação mais eficaz de recursos financeiros no nível local;
  • Que sejam criados mecanismos de troca da dívida externa dos países pobres e em desenvolvimento por ações de mitigação e adaptação à crise climática. 
  • Que seja facilitada aos países pobres e em desenvolvimento o acesso às tecnologias de fontes renováveis de energia e de eficiência energética, liberando-as de patentes e outros entraves ao seu acesso.

 

ClimaInfo, 21 de novembro de 2023.

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