Para preservar a Amazônia, não basta zerar o desmatamento. É preciso banir os combustíveis fósseis. É o que diz a ciência.

É claro que essas estratégias de proteção à Amazônia envolvem parar de desmatar a floresta, algo declaradamente consensual entre a maioria dos atuais presidentes dos países amazônicos, mas…

Parar a destruição das florestas requer enfrentar a crise climática, para a qual o abandono do uso de combustíveis fósseis em todo o mundo é uma condição inevitável. A nível mundial, a principal causa da crise climática é sua dependência, já que estes hidrocarbonetos são responsáveis por cerca de 86% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE).

Contudo, os governos mundiais planejam produzir mais do que o dobro da quantidade de combustíveis fósseis até 2030 em comparação com o que é necessário para evitar uma mudança de temperatura de 1,5°C ou 2°C, contradizendo o seu compromisso no Acordo de Paris. Este fato contraria  as recomendações de redução dos gases com efeito de estufa feitas pelo Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC).

Ainda, as atividades extrativistas da indústria de óleo e gás acumulam violações gravíssimas de direitos humanos na América Latina, com um histórico de acidentes com impactos socioambientais devastadores. Sabe-se que a Amazônia está repleta de projetos desenvolvimentistas fracassados que prometeram geração de emprego, renda e desenvolvimento, mas entregaram apenas concentração de renda e degradação ambiental.

Só entre 2012 e 2020, a região amazônica aumentou o número de campos petrolíferos em 13%. Em alguns casos, uma grande percentagem da Amazônia de cada país está sobreposta por campos petrolíferos, tendo o Equador a maior área amazônica sobreposta (51,5%), seguido do Peru (30,9%), Bolívia (28,8%), Colômbia (27,3%), e Venezuela (2,7%) e Brasil (1,4%). Em território brasileiro, o mais recente movimento em prol da exploração de petróleo na Amazônia envolveu o pedido de perfuração feito pela estatal Petrobras de um poço no bloco marítimo FZA-M-59, na bacia da foz do Amazonas, no litoral do Amapá.  O licenciamento foi negado pelo IBAMA por razões estritamente técnicas, mas há intensas pressões políticas sobre o órgão ambiental para liberar a atividade. Além disso, em terra, indígenas do Amazonas não foram consultados no processo de licenciamento de uma área de produção de gás fóssil da Eneva. O Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que assegura o direito de os povos indígenas e tribais serem consultados, de forma livre e informada, antes de serem tomadas decisões que possam afetar seus bens, direitos, territórios e modos de vida. Apesar disso, a licença foi concedida pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), órgão ambiental amazonense.

A inércia dos países mais poluidores do planeta de assegurar o Acordo de Paris não deve ser seguida pelo Sul Global. Fazer de modo mais eficiente, ou igual, o que nem deveria ser feito não deve ser um de nossos objetivos. Pelo contrário, os governos pan-amazônicos podem liderar medidas de mitigação e adaptação climática para limitar o aquecimento global a 1,5ºC, conforme o Acordo de Paris e serem protagonistas da transição energética justa.

Deixar de produzir petróleo e gás fóssil na Amazônia não significa sacrificar a vida das populações dos países da região, muito menos das comunidades locais diretamente atingidas pela atividade petrolífera. Pelo contrário.

Os danos causados pelo desmatamento na região não se limitam às perdas da biodiversidade e seus efeitos sobre o clima global. A derrubada da floresta também acarretará um custo econômico considerável para o Brasil, na casa dos US$ 317 bilhões por ano – cerca de R$ 1,8 trilhão.

Um outro estudo, desenvolvido pelo WRI Brasil em parceria com 76 especialistas de instituições científicas de diversas regiões do país, reforça que manter a floresta de pé é uma oportunidade de crescimento qualificado e inclusivo para a região amazônica. A “Nova Economia da Amazônia”, baseada na bioeconomia, agregaria US$ 40 bilhões por ano ao PIB da Amazônia Legal a partir de 2050, com mais de 800 mil empregos no setor de bioeconomia, desmatamento zero e restauração de 24 milhões de hectares de floresta. Sem falar em 94% menos emissões líquidas e estoque de carbono 19% maior.

Em alinhamento com a ciência, entidades, movimentos sociais e Povos Tradicionais, demandamos:

1

Os governos pan-amazônicos não devem mais subsidiar a produção de combustíveis fósseis ou ofertar novos blocos à exploração de petróleo na região, redirigindo os subsídios ao fomento da bioeconomia.

2

Garantir a participação e a tomada de decisões dos Povos Indígenas e Quilombolas e das comunidades locais, ligadas a processos de consulta e consentimento prévios e em espaços de decisão com o Estado para outras questões relacionadas ao seu território.

3

Os estados devem iniciar a transição para um novo modelo energético, que ao mesmo tempo proteja a biodiversidade da Amazônia, como parte dos compromissos do Acordo de Paris, considerando as particularidades de cada território e evitando novos impactos territoriais.