Os cobenefícios da limitação do aquecimento global em 1,5°C

Além de restringir os impactos das mudanças climáticas, a redução das emissões de gases de efeito estufa proporcionará vários cobenefícios decorrentes do esforço de limitação da elevação da temperatura em 1,5oC.

 

O relatório especial do IPCC sobre o aquecimento global de 1,5oC mostra que os desafios para segurar o aquecimento neste nível são tremendos. Mas é interessante notar que o esforço gerará muitos cobenefícios. Alguns dos mais importantes[1] destes cobenefícios incluem a melhoria da saúde para muitas pessoas ao redor do mundo, maior segurança alimentar, proteção a zona pesqueiras, melhor segurança energética e mais crescimento econômico. O enfrentamento da mudança climática, também, pode trazer outras repercussões benéficas, como a melhoria da mobilidade urbana. Estes múltiplos benefícios podem reduzir[2] o custo global da mitigação da mudança do clima.

 

Pessoas mais saudáveis

 

A mudança climática ameaça a saúde humana[3] diretamente – mudando o clima, alterando a distribuição de doenças transmitidas por vetores e outras doenças infecciosas, e piorando a poluição do ar – e também indiretamente – causando desnutrição, piorando as condições de trabalho e provocando estresse mental.

 

A limitação do aquecimento global em 1,5°C evitaria por volta de 3,3 milhões de casos de dengue por ano na América Latina e no Caribe, em relação aos casos incidentes num cenário de aquecimento de 3,7°C; e reduziria 0,5 milhões de casos destas doenças por ano em relação ao cenário de 2°C de aquecimento.[4]

 

Ao limitar o aquecimento a menos de 2°C, o número de pessoas em risco de malária pode ser 150 milhões menor em comparação a um cenário de aquecimento de entre 2 e 3°C. Para se ter uma ideia dos impactos econômicos da malária, estima-se que a doença custe hoje US$ 12 bilhões anuais, só na África, em custos de assistência médica, perda de tempo de trabalho e de escola e perda de investimento e turismo.

 

De modo geral, a limitação do aquecimento global em 1,5°C trará maiores benefícios para a saúde humana do que no cenário de 2°C, particularmente para indivíduos dos países em desenvolvimento.

 

No cenário 1,5oC, os habitantes de regiões mais pobres podem ficar menos vulneráveis à desnutrição resultante da redução da produção de alimentos, em comparação com níveis mais altos de aquecimento.

 

A ingestão global de alimentos per capita deverá ser maior num cenário de aquecimento de 1,5°C do que no cenário de 2°C. O número de pessoas subnutridas no mundo será 25 milhões menor até o final do século sob o aquecimento de 1,5°C do que sob o aquecimento de 2°C.

 

Comparando com a situação atual, a incidência de estresse por calor em megacidades como Lagos, na Nigéria, e Xangai, na China, pode ser reduzida à metade, com 350 milhões menos pessoas expostas ao calor mortal – mais do que a população combinada do México e do Brasil.

 

Menos mortes por poluição do ar

 

A poluição do ar mata por volta de sete milhões de pessoas por ano em todo o mundo. Uma grande parte (95%) da população mundial[5] vive em regiões com níveis de qualidade do ar tidos como saudáveis pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A mudança climática piora a poluição troposférica por ozônio causadora de ataques de asma e outras doenças, e pode enfraquecer os sistemas meteorológicos que limpam o ar poluído em áreas densamente povoadas.

 

A limitação do aquecimento em 1,5°C reduzirá a poluição atmosférica local e regional[6], uma vez que as emissões de poluentes locais e gases de efeito estufa são reduzidas, proporcionando um grande cobenefício à saúde. Este benefício é tão grande que, em termos econômicos, pode ser até maior[7] do que o custo de redução das emissões de carbono na maioria dos principais países emissores.

 

A limitação do aumento da temperatura média global em 1,5°C, em comparação com sua limitação em 2°C, pode evitar 153 milhões de mortes prematuras provocadas pela poluição do ar em todo o mundo até 2100, e cerca de 40% destas nos próximos 40 anos.

 

Sob um cenário de emissões moderadas (RCP4.5), no qual as temperaturas sobem entre 2 e 3°C até o final do século, uma média de 16.000 mortes causadas por partículas finas (PM2.5), e uma média de 8.000 mortes relacionadas ao ozônio poderiam ser evitadas apenas nos Estados Unidos em 2050[8].

 

Menos fome

 

O aumento das temperaturas, da seca e de eventos extremos prejudicará a produção de alimentos. Sem adaptação, cada grau de elevação da temperatura global poderia reduzir a produção mundial de trigo em 6,0%, a de arroz em 3,2% e a de milho em 7,4%, e as mudanças climáticas também podem reduzir os níveis  de nutrientes nas lavouras. A seca em muitas regiões pode vir a ameaçar a segurança alimentar[9]. Mesmo um aumento de 2°C poderia colocar mais 84 milhões[10] de pessoas em situação de risco de fome até 2050.

 

A limitação do aquecimento em 1,5°C:

– Deixaria de expor 25 milhões de pessoas em todo o mundo à desnutrição até o final do século, em relação ao aquecimento de 2°C[11].

– Tornaria as principais regiões em desenvolvimento menos vulneráveis ​​a uma queda de 10 a 15%[12] no rendimento das lavouras até meados do século, quando comparado com o aquecimento de 2°C.

– Evitaria a exposição de 43 milhões de africanos ao risco da fome, também quando comparado ao aquecimento de 2°C[13].

– Melhoria a disponibilidade de água e a segurança alimentar de uma pequena mas significativa proporção da população de algumas bacias hidrográficas asiáticas, em comparação com os níveis mais altos de aumento de temperatura.

– Reduziria significativamente os riscos para a produção de alimentos nas ilhas do Pacífico até o final do século.

– Os impactos das mudanças climáticas, como aumento do nível do mar, acidificação dos oceanos e eventos climáticos extremos, seriam menos frequentes e menos intensos, resultando em processos estáveis ​​de produção de alimentos[14].

 

Mais crescimento econômico

 

A mudança climática prejudicará a economia global. Mesmo um aquecimento de 2°C reduzirá o crescimento econômico em muitos países, especialmente o dos mais pobres.

 

A limitação do aquecimento global em 1,5°C:

Minimiza os danos econômicos adicionais provocados pelas mudanças climáticas.

– Reduz as perdas econômicas globais; as perdas, com 1,5°C de aquecimento, são 0,14% menores do que com 2°C.

– Promove uma redução combinada dos danos econômicos resultantes dos impactos das mudanças climáticas e da desigualdade global[15].

– Provavelmente reduz os danos econômicos projetados até 2100 para 90% da população mundial[16], particularmente nos países pobres da África, da Ásia e da América Latina.

Até 2100, o mundo poderia ser 3 % mais rico[17] do que em um clima mais quente de 2°C.

– Economizaria até US$ 30 trilhões para as economias nacionais em benefícios cumulativos somados de hoje até o final do século.

 

Os impactos econômicos negativos das mudanças climáticas recairão desproporcionalmente sobre os países mais pobres do mundo, mas o ônus econômico será menos desequilibrado se o aquecimento for limitado a 1,5°C. Manter o aquecimento a 1,5°C distribuiria mais uniformemente o custo da mudança climática entre as economias desenvolvidas e as em desenvolvimento.

 

No caso da mudança climática forçar uma transição mal administrada para uma economia de baixo carbono, é provável que a estabilidade da economia global seja ameaçada. Planejar a transição com cuidado – e realizá-la deliberadamente – proporciona as melhores condições para a prosperidade econômica futura.

 

 

Mais empregos

 

Como os combustíveis fósseis criam menos empregos do que as tecnologias de baixo carbono, a mudança para a energia limpa na escala necessária para segurarmos o aquecimento global em 1,5°C poderia criar oportunidades significativas de emprego.

 

Em todos os cenários futuros com mais energia renovável, a energia de biomassa, a energia hidrelétrica e a energia nuclear geram mais empregos por unidade de energia do que os combustíveis fósseis[18] e criarão empregos nas indústrias verdes.

 

Até 2050, pode dobrar a quantidade de postos de trabalho[19] no setor de energia. Empregos em energia limpa também são de maior qualidade,[20] e geralmente mais seguros e mais qualificados[21].

 

Políticas para levar a um mundo de 1,5°C podem criar 68% mais empregos verdes (em manutenção, fabricação, construção e instalação de energia limpa) até 2030.

 

Uma economia verde global gerará menos empregos em indústrias intensivas em carbono, mas mais empregos em geral. Limitar as mudanças climáticas pode levar à perda de 6 milhões de empregos[22] em indústrias intensivas em carbono até 2030, mas adicionar 24 milhões de empregos em novas indústrias, um aumento líquido de 18 milhões de empregos[23] em setores que incluem energia limpa, veículos elétricos e construções sustentáveis.

 

 

Oceanos protegidos

 

A pesca e a aquicultura já estão ameaçadas pelo aquecimento e pela acidificação dos oceanos. Prevê-se que estes impactos piorem com o aumento da temperatura.

 

A limitação do aquecimento global em 1,5°C, comparada com a limitação do aquecimento em 2oC diminui os riscos para os criadouros e infraestruturas de aquicultura por conta do aumento do nível do mar e a pesca de pequena escala estará mais protegida, beneficiando milhões de pessoas que vivem em zonas costeiras tropicais. Gera, também, benefícios significativos para a pesca marinha que incluem o aumento do potencial de captura, especialmente nas regiões tropicais. As pessoas que dependem da pesca para o seu bem-estar estarão menos vulneráveis a mudanças em sua renda, saúde e meio ambiente. Menos espécies de peixes serão extintas[24].

 

Com a limitação do aquecimento em 1,5°C, a redução da pesca na região do Indo-Pacífico pode ser metade da esperada devido às mudanças climáticas criadas pelo aquecimento que ocorrerá se forem seguidas as políticas atuais[25].

 

A degradação severa e colapso dos recifes de coral tropicais do mundo poderiam ser evitados. Se a temperatura subir para 2oC, praticamente todos os recifes de corais tropicais do mundo estarão em risco. Habitats de recifes de coral são responsáveis por entre 10% e 12%[26] dos peixes capturados em países tropicais, e de 20% a 25% dos peixes capturados por países em desenvolvimento[27]. Eles fornecem comida, renda e proteção contra tempestades para milhões de pessoas nas áreas costeiras.

 

 

Viagens mais fáceis e mais limpas

 

Para limitar o aquecimento global em 1,5°C, serão necessários 100 milhões de veículos elétricos (VE)[28] à mais, um aumento de 50 vezes da frota atual. Cada grupo de 82,5 milhões de VEs rodando, reduz a de demanda de petróleo em um milhão de barris[29] por cada dia. No final de 2020, os VEs poderiam provocar o pico máximo de demanda de petróleo[30], a partir do qual a demanda cairá.

 

Os VEs poderiam melhorar significativamente a qualidade do ar urbano. Até 2050, as áreas urbanas terão mais 2,5 bilhões de pessoas, com 90% desse aumento ocorrendo na Ásia e na África.

Os VEs também aceleram a mudança para uma maior mobilidade[31], um aumento no compartilhamento de viagens e, talvez, até mesmo incentivam veículos autônomos de baixo carbono. Se os VEs se tornarem mais acessíveis[32], contribuirão para reduzir os custos de transporte e o congestionamento do tráfego rejuvenescendo os espaços urbanos.

 

 

Um mundo mais seguro

 

A limitação do aquecimento global em 1,5°C limita os fatores que contribuem para a fome, a migração e o conflito entre os humanos – incluindo eventos climáticos extremos e suprimentos de água e alimentos menos seguros. As conexões entre mudanças climáticas, os conflitos humanos e migração forçada são complexas. Mas mesmo a limitação do impacto do aquecimento na agricultura e na segurança alimentar, ajuda a criar um mundo mais seguro. Para as empresas, esta limitação reduziria o risco provocado pelos impactos de eventos climáticos extremos que causam grandes danos a edifícios, maquinas, data-centers, redes de transporte e cadeias de abastecimento.

 

[1] Multiple benefits from climate change mitigation: Assessing the evidence (2017), Grantham Research Institute, p.1.

[2] Ibid., p.4.

[3] IPCC, AR5, WGII, Capítulo 11, p.716.

[4] Limiting global-mean temperature increase to 1.5–2 ◦C could reduce the incidence and spatial spread of dengue fever in Latin America (2017), PNAS.

[5] State of global air: A special report on global exposure to air pollution and its disease burden (2018), Health Effects Institute, p.3.

[6] Multiple benefits from climate change mitigation: Assessing the evidence (2017), Grantham Research Institute. p.1.

[7] Ibid, p.1.

[8] Co-benefits of global, domestic, and sectoral greenhouse gas mitigation for US air quality and human health in 2050 (2017), p.8.

[9] Climate change and food security: risks and responses (2016), Food and Agriculture Organization of the United Nations, p.7.

[10] Inclusive climate change mitigation and food security policy under 1.5°C climate goal (2018), Environmental Research Letters, p.1.

[11] Projected global undernourished population is 530-550 million at 1.5°C and 540-590 million at 2ºC

[12] Pursuing the 1.5°C limit: Benefits and opportunities (2017), International Climate Initiative, p.vi.

[13] Clements, R. (2009). The Economic Cost of Climate Change in Africa, p.7

[14] Climate change and Pacific Island food systems (2018), CCAFS and CTA, p.15-18.

[15] Large potential reduction in economic damages under UN mitigation targets (2018), Nature, p.549.

[16] ibid., p.552.

[17] ibid., p.550.

[18] Pursuing the 1.5°C limit: Benefits and opportunities (2017), International Climate Initiative, p. ix.

[19] Ibid, p.iii.

[20] Ibid, p.xii

[21] Ibid, p.31.

[22] Greening with jobs: World employment social outlook (2018), International Labour Organization, p.37.

[23] Ibid, p.1.

[24] IPCC, AR5, WGII, Chapter 7, p.508.

[25] “Because the ocean”: Achieving the Paris agreement 1.5°C temperature limit (2017), Climate Analytics, p.3.

[26] IPCC, AR5, WGII, CC boxes, p.99.

[27] IPCC, AR5, WGII, CC Boxes, p.99.

[28] Global EV outlook 2017: One million and counting (2017), International Energy Agency, p.23.

[29] Electric vehicles: The catalyst to further decarbonisation (2018), Carbon Tracker Initiative, p.1.

[30] ibid., p.1.

[31] Electric Vehicles for Smarter Cities: The Future of Energy and Mobility (2018), World Economic Forum, p.5.

[32] ibid., p.8.