Expansão do gás fóssil atrasa transição energética, mostra relatório da Coalizão Energia Limpa

Expansão do uso do combustível fóssil pode gerar um bloqueio de investimentos no setor elétrico por até 30 anos, além de aumentar custos da eletricidade.

As usinas eólicas e solares, fontes renováveis de energia, vêm apresentando um crescimento sustentado no país nos últimos anos. No início de 2024, superaram a marca de 65 gigawatts (GW) de capacidade instalada, o que equivale a cerca de 30% da matriz elétrica nacional. Mas essa expansão, fundamental para a transição energética brasileira, está ameaçada pela insistência, sobretudo do Congresso Nacional, em beneficiar projetos de eletricidade a gás fóssil. Esse combustível, além de agravar as mudanças climáticas por causa das emissões de gases de efeito estufa, vai encarecer o valor da energia paga pelos consumidores.

Essa é a principal conclusão do relatório “Regressão energética: como a expansão do gás fóssil atrapalha a transição elétrica brasileira rumo à justiça climática”, lançado na 4ª feira (12/6) em um evento na Câmara dos Deputados promovido pela Frente Parlamentar Ambientalista (FAmb). O documento foi produzido pela Coalizão Energia Limpa, que tem a participação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Instituto ClimaInfo, Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), Instituto Internacional ARAYARA.org, Instituto Pólis, Observatório da Mineração e Coalizão Não Fracking Brasil (COESUS).

“Nos últimos anos, o uso do gás fóssil deixou de ser um complemento emergencial e estratégico a ser acionado em momentos de crise hídrica para abocanhar fatia significativa dos investimentos na infraestrutura da geração elétrica brasileira, aumentando impactos socioambientais e o valor da tarifa repassada aos consumidores – e beneficiando poucos”, destaca o relatório.

Essa expansão desnecessária do gás fóssil na matriz elétrica é patrocinada por fortes lobbies pró-combustíveis fósseis. Entre os exemplos citados estão os leilões de energia emergencial e de reserva de capacidade de 2021, que contratou termelétricas a gás; e a Lei 14.182/2021, de privatização da Eletrobras, que trouxe as chamadas “térmicas-jabuti”, ao obrigar a contratação de 8 GW à base de gás fóssil em estados sem gasodutos. Ou seja, além do preço do combustível, as tarifas elétricas acabarão bancando a instalação dessa infraestrutura. Um gasto desnecessário – e sujo.

“A operação dessas ‘térmicas-jabuti’ resultará na emissão de mais de 300 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (Mt CO2e), ou 20 Mt CO2e por ano. Em termos comparativos, em 2019, todo o setor elétrico brasileiro emitiu 53,4 Mt CO2e. Ou seja, apenas as ‘térmicas-jabuti’ podem corresponder a quase 40% do total de emissões de gases de efeito estufa para geração nacional de eletricidade. E tal contratação pode aumentar em mais de 12% o custo da energia consumida no país”, explica o documento.

O relatório mostra que mais de 70 novas térmicas a combustíveis fósseis estão em estudo e planejamento, segundo o Sistema de Informações de Geração da Aneel (SIGA). O país também sinaliza que deve ampliar a importação de gás fóssil dos Estados Unidos. Há 21 projetos de novos terminais de gás e 12 projetos de terminais de regaseificação, além dos cinco já existentes.

As iniciativas que beneficiam o gás fóssil não ocorrem sem reação da sociedade civil, destaca o Nexo. O relatório lembra campanhas feitas nos últimos anos que contribuíram para divulgar dados sobre o tema e resultaram em menor quantidade de blocos de petróleo e gás vendidos em leilões. Isso, no entanto, não freou os investimentos nos combustíveis fósseis, que se mantém no governo atual, apesar da ambição de liderar a agenda climática global.

“A ambição de atrelar o desenvolvimento da matriz ao uso de gás fóssil deve provocar um lock-in regional e nacional de 15 a 30 anos de investimentos no setor elétrico. Além da poluição, os preços do gás, assim como de outros insumos fósseis, são voláteis”, frisa o documento.

Há ainda um importante alerta em relação às fontes renováveis de energia: a necessidade de que a implantação desses projetos respeite salvaguardas socioambientais para proteger as comunidades locais, como sugere o relatório “Salvaguardas socioambientais para energia renovável”, guia feito por comunidades nordestinas e elaborado com a ajuda de especialistas e apoio do projeto Nordeste Potência.

Entre as soluções para se evitar a regressão energética, o documento sugere rever a privatização da Eletrobras e revogar a contratação das térmicas-jabuti a gás fóssil; excluir “jabutis” de térmicas a gás do PL 576/2021, que regula as eólicas offshore; e promover o hidrogênio verde, produzido a partir de fontes renováveis de energia, para descarbonizar indústrias e transportes, sem perpetuar o uso do gás fóssil.

Em tempo: Um mau sinal em relação à eliminação do gás fóssil veio da comissão especial do hidrogênio verde do Senado, que aprovou na 4ª feira (12/6) o projeto de lei que estabelece o marco legal para a produção do hidrogênio de baixa emissão de carbono e determinou incentivos fiscais para o setor. O substitutivo do relator, senador Otto Alencar (PSD-BA), estima uma produção de hidrogênio no país em pelo menos 1 milhão de toneladas em dois anos, relata a Folha. O relatório aprovado prevê um acréscimo de R$ 5 bilhões em crédito fiscal para projetos de hidrogênio, conforme emenda do senador Cid Gomes (PSB-CE) ao PL 2308/2023, informa a epbr. Também inclui emenda do senador Marcos Pontes (PL-SP), que privilegia créditos fiscais para projetos de hidrogênio com menor emissão e maior potencial de adensamento da cadeia de valor nacional. Seria uma forma de premiar rotas mais sustentáveis, como o hidrogênio a partir de eletrólise com energias renováveis [o “verde”], sem barrar rotas mais poluentes – como a do gás fóssil.

 

ClimaInfo, 13 de junho de 2024.

Clique aqui para receber em seu e-mail a Newsletter diária completa do ClimaInfo.