Maricá (RJ): apesar de tentativas, petróleo e gás não trazem desenvolvimento local

Maricá petróleo e gás
Mídia Ninja

Concentração de riqueza, instabilidade econômica, 4% de esgoto tratado – mesmo tendo maior renda per capita do estado fluminense, cidade precisa deixar dependência dos fósseis.

Petróleo e gás são propagandeadas em Maricá, Rio de Janeiro, como fontes de desenvolvimento local. A moeda local e o transporte público de graça são, num primeiro momento, vistos como iniciativas de sucesso. Mas uma olhada mais a fundo traz à tona a realidade local: concentração de riqueza, instabilidade econômica e saneamento básico precário.

A encenação de sucesso da atividade petroquímica é tamanha que foi até notícia no exterior: em uma matéria, o The Washington Post comentou que ela é “uma cidade que recebe tantas receitas do governo que gastá-las se torna uma dor de cabeça”. E os valores, realmente, impressionam.

O Fundo Soberano de Maricá possui R$ 1 bilhão em royalties, de acordo com a última medição em maio de 2022. Segundo informa o fundo, sua “finalidade é atuar, de forma eficaz, como instrumento de política econômica, visando à mitigação dos efeitos dos ciclos econômicos e a constituição de um fundo de poupança para o Município de Maricá”.

O PIB per capita de Maricá é o maior dentre os 92 municípios do estado, segundo o IBGE Cidades, mas a mesma fonte destaca que, em 2020, um terço da população vivia em domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa. Como aponta a BBC Brasil, PIB per capita “não diz nada sobre a distribuição da riqueza”.

Nos últimos anos, Maricá viu sua população dobrar de tamanho: de 100 mil habitantes para mais de 200 mil. O petróleo tem um grande papel na divulgação da cidade, tanto pela oferta de trabalho quanto pela qualidade de políticas públicas. Mas ambas chamadas não se provam na realidade.

Segundo dados do RAIS, via SEBRAE, os setores econômicos que mais reuniram trabalhadores em Maricá, em 2021, foram Administração Pública, Defesa e Seguridade Social (7.020), Comércio Varejista (5.999) e Construção de Edifícios (2.905). No mesmo período, o setor de Supervisores de Produção em indústrias químicas, petroquímicas e afins empregava quatro pessoas, e o Operador de Instalação, em indústrias químicas, petroquímicas e afins, três. A média salarial entre estas duas últimas categorias era de R$ 1.669.

Já a qualidade de vida é questionada pela baixa cobertura do saneamento básico na cidade. Apenas 36,75% da população de Maricá é atendida por abastecimento de água – frente a 90,73% da média do estado, como mostra o boletim de maio de 2023 do Comitê de bacias hidrográficas – Bacia de Guanabara. Já em relação à rede de coleta de esgoto, apenas 4,53% da população tem acesso aos serviços de esgotamento sanitário. 

Flávia Lanari, do Subcomitê Maricá-Guaparina, afirma que “há pessoas que têm poços artesianos, mas muitos não têm condições financeiras para isso. Para complicar, há risco de contaminação dos poços, já que a grande maioria dos bairros não possui rede de coleta de esgoto; é uma situação muito preocupante”.

A pesquisa “Petróleo e Condições de Vida: qualidade da governança pública em municípios com atividades de Petróleo e Gás”, publicada pela Agenda Pública, buscou responder à pergunta: “como os royalties impactam a qualidade dos serviços públicos?”.

A metodologia utilizou dados públicos para gerar índices que avaliam 6 dimensões de serviços prestados à população pelas prefeituras: educação, saúde, proteção social, desenvolvimento econômico, mobilidade e gestão de qualidade. No caso de Maricá, a média da cidade foi de 5,27, sendo “gestão da qualidade” a melhor pontuada, com 7,52, e “mobilidade urbana”, a pior, com 1,80.

Mumbuca – Um dos grandes trunfos de Maricá é a implementação, desde 2013, da moeda social Mumbuca. Pensada para dinamizar o mercado local, o programa de benefício social é sustentado com recursos oriundos dos royalties do petróleo e oferece aos munícipes cadastrados um valor mensal de R$ 170 (2022). Mas segundo a tese Moeda Social e Desenvolvimento Local Em Maricá (Rj), a iniciativa tem problema de baixa circulação e dupla concentração.

No primeiro caso, o estudo identifica que a Mumbuca se limita ao circuito da renda básica e que “a alta informalidade da economia local, o baixo volume de emprego formal em proporção à população e a baixa participação de fornecedores locais nas compras governamentais” configura “uma economia de baixo dinamismo e incapaz de gerar renda e ocupação para a população mais vulnerável de forma independente da renda do petróleo”.

O texto também destaca a “dupla concentração” por conta da quase totalidade das entradas no sistema vir de uma única fonte (royalties), e pelos recursos se concentrarem em um conjunto reduzido de estabelecimentos comerciais. O estudo ainda destaca análise do Laboratório de Informática e Sociedade (LabIS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que afirma que os comércios que recebem a Mumbuca “não têm nenhuma ligação com o desenvolvimento do local, numa perspectiva de economia solidária, pois seus interesses estão mais ligados às grandes corporações que, em simbiose com o Estado, controlam a dinâmica do espaço geográfico”.

Subsídios aos fósseis – De acordo com o levantamento de 2022 do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), o governo brasileiro segue elevando os subsídios à produção petrolífera. Em 2021, foram R$ 118,2 bilhões, com aumento de 119% nos setores termoeletricidade, gás natural liquefeito, petroquímica, e de 128% em investimento em infraestrutura. O documento salienta que “tais subsídios contribuem para a geração de lucros extraordinários pelas petrolíferas” e que “a Petrobras registrou o maior lucro da história da empresa em 2021 – R$ 106 bilhões, em grande parte repassados para seus acionistas na forma de dividendos”.

Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, afirma que após a obrigação da divulgação pela Receita Federal dos valores empregados no Repetro, o montante dos subsídios tornou-se maior do que o esperado. “No caso dos incentivos regionais, por exemplo, a Receita dizia que era da ordem de R$ 16 bilhões e, quando publicou os dados reais de quanto cada empresa que recebe o benefício deixou de pagar, esse número foi para R$ 42 bilhões”, destaca. 

Para a especialista, é imprescindível que haja mais transparência – atualmente, muitos dados obtidos pelo Inesc para seus relatórios ainda vêm por via de LAI (Lei de Acesso à Informação) – e de uma avaliação sobre o que cada setor precisa. “Esse setor precisa desse tamanho de subsídio? Qual é a contrapartida desse setor para, inclusive, um outro modelo de economia, de transição ecológica?”, questiona.

Enquanto o país seguir com tamanhos subsídios, a indústria fóssil seguirá avançando novas fronteiras de exploração, contradizendo as necessidades atuais e futuras – tanto sociais como ambientais e econômicas. 

A grande promessa do fundo soberano de Maricá é usar o dinheiro de petróleo e gás para estimular o desenvolvimento local e fortalecer a economia para, num plano mais longo, ser forte o suficiente para não depender dos fósseis. Hoje, 70% da arrecadação do município ainda provém dos royalties. Com a previsão de declínio dos fósseis e a vulnerabilidade econômica de depender das receitas do petróleo que, por sua vez, depende da estabilidade geopolítica, variação cambial e cotação do barril, é impossível não questionar os subsídios ao setor.

As soluções para o desenvolvimento regional – esse, verdadeiro – são várias, como a ofertada pela tese Moeda Social e Desenvolvimento Local Em Maricá (Rj): dar prioridade a empreendimentos cooperativos, agência de desenvolvimento voltada à promoção de pequenas e médias empresas, dando um impulso que não se pode esperar do setor privado.

As possibilidades existem, basta implementá-las: existe um futuro e uma economia para além do petróleo. Esta, de baixo impacto socioambiental e alto impacto econômico, é a verdadeira saída para a crise humanitária que vivemos atualmente.

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Por Juliana Aguilera, ClimaInfo.

Essa matéria faz parte do especial “Verdades inconvenientes sobre a exploração de petróleo no Brasil”, no qual o ClimaInfo se debruça em casos locais e históricos para mostrar como a indústria fóssil, apesar dos jabás, não trouxe verdadeiro desenvolvimento para as cidades brasileiras.

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ClimaInfo, 27 de novembro de 2023.

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