Drama dos moradores de Muçum poderia ser menor se governo do estado não tivesse ignorado plano de prevenção de 2017 e alterado código ambiental estadual.
Muçum é um município do interior do Rio Grande do Sul, às margens do rio Taquari. De acordo com o Censo 2022 do IBGE, tem 4.601 moradores. Como outras 420 das 496 cidades gaúchas, foi duramente castigada pela tragédia climática que assola o estado há quase 2 semanas e matou 107 pessoas, deixou 136 desaparecidos, 374 feridos e 232,6 mil pessoas fora de casa até o início da tarde de 5ª feira (9/5).
No dia 4 de maio, uma água lamacenta tomou conta das ruas de Muçum, Euclides Ferreira dos Santos, de 75 anos, e sua família, já sabiam o que fazer. Afinal, tinha sido a 3ª vez em oito meses que viviam o drama de ter de fugir às pressas da fúria de enchentes provocadas por chuvas extremas. Isso sem sequer terem se recuperado materialmente do que já tinham vivido em setembro e novembro de 2023.
“Sinceramente não temos mais lágrimas para chorar. E me preocupo com o pai que já estava com quadro de depressão,” disse Geniza Ferreira dos Santos, 33 anos, filha de Euclides. A família agora pensa em se mudar de lá, um sentimento que se espalha pelo município, conta a Agência Pública, em matéria reproduzida pela Carta Capital. Podem se tornar um dos 500 mil refugiados climáticos do Brasil, segundo um dossiê da Universidad de las Américas Puebla do México, publicado no ano passado.
O mais doloroso do drama de Euclides e tantas outras famílias que perderam parentes e bens materiais nas emergências climáticas que vêm castigando o Rio Grande do Sul desde o ano passado é que parte disso poderia ter sido evitada. Informações científicas sobre as mudanças climáticas, como o documento Brasil 2040, produzido em 2015, que mostrou a tendência da região Sul do país, na Bacia do Rio Prata, ter um volume maior de chuvas com o aumento da temperatura por conta do aquecimento global, estão disponíveis há décadas.
No entanto, governantes, deputados e senadores não costumam levar a sério os alertas sobre a crise climática. Flexibilizam leis ambientais, ignoram a necessidade de prevenção e depois da porta arrombada fingem não ter responsabilidade sobre os efeitos da catástrofe climática.
“O que falta são políticas públicas que possam minimizar os impactos desses eventos para a população, porque eles continuarão a ocorrer. A mudança climática é uma realidade, não temos mais como evitar os eventos extremos”, destacou Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, em entrevista ao Intercept Brasil.
Menos de um mês atrás, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), sancionou uma lei que flexibiliza regras ambientais para a construção de barragens em áreas de preservação permanente (APPs). A vegetação dessas áreas são importantes porque podem ajudar a conter maiores volumes de chuva. Além disso, o estado ignorou um plano de prevenção de 2017, que não saiu do papel.
Leite também alterou cerca de 480 normas do Código Ambiental do estado em seu 1º ano de mandato, em 2019, lembra a Folha. A medida, sancionada em 2020, acompanhou o afrouxamento da política ambiental brasileira incentivada, à época, pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no governo Bolsonaro. Na Globonews, o governador, obviamente, disse que as mudanças não afrouxaram o combate aos crimes ambientais.
A falta de investimentos e de planos de mitigação e adaptação climáticos vira gastos exorbitantes “depois da porta arrombada” por eventos extremos em ações de reconstrução. Como mostra o g1, de 2018 a 2024 o governo federal liberou R$ 518,2 milhões em ações de socorro e reação à desastres, enquanto que para prevenção foram destinados R$ 81,2 milhões.
Como boa parte do território gaúcho ainda está submerso, e mais tempestades estão previstas para o estado até domingo, informa a Agência Brasil, o valor a ser aplicado na recuperação do Rio Grande do Sul ainda é uma incógnita, destaca a Folha. No entanto, Leite se apressou em dizer ontem que a recuperação vai custar pelo menos R$ 19 bilhões, informam Veja e IstoÉ.
Em tempo: A tragédia climática no Rio Grande do Sul também vai afetar a oferta de arroz orgânico no país, cujo maior produtor é o MST. Mais da metade da produção agroecológica do grão está na Região Metropolitana de Porto Alegre, onde há assentamentos completamente inundados, detalha a Repórter Brasil. Os prejuízos podem chegar a 10 mil toneladas de arroz orgânico. As cheias também devastaram hortas e ameaçam produtores de leite do movimento.
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ClimaInfo, 10 de maio de 2024.
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