Tragédia no RS é responsabilidade também de parlamentares que desmontam leis ambientais, diz secretário do OC

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REUTERS/Renan Mattos

Temporais mataram pelo menos 75 pessoas, com 100 ainda desaparecidos, e Marcio Astrini destaca peso do Congresso na tragédia ao agir para desmontar políticas ambientais.

“A maioria conservadora [no parlamento brasileiro] tem aprovado diversos projetos considerados nocivos para o meio ambiente. Nunca tivemos um Congresso tão dedicado a desmontar [a legislação ambiental]”.

O desabafo de Marcio Astrini, secretário-Executivo do Observatório do Clima, à BBC, visa dar “nome aos bois” na tragédia climática que atinge o Rio Grande do Sul desde 2ª feira passada (29/4). Com 75 mortes confirmadas até o início da tarde de domingo (5/5) e 100 desaparecidos, segundo o g1, os temporais atingiram por dias quase todo o estado, desalojando 107,6 mil pessoas, paralisando aeroportos e rodoviárias, destruindo pontes e estradas e deixando um rastro de destruição em várias cidades, como mostram imagens impressionantes no g1 – na capital, Porto Alegre, o lago Guaíba subiu 5,3 metros, batendo um recorde de 1941, relata o Estadão.

Os governos federal e estadual criaram uma força-tarefa e tentam evitar mais mortes no Rio Grande do Sul promovendo evacuações e retirando pessoas de áreas de risco. Mas a responsabilidade pelo caos não é apenas deles, destaca Astrini. As tragédias são resultado da falta de adaptação e de combate às mudanças climáticas, duas áreas onde os Executivos precisam fazer mais e onde o Legislativo têm promovido ativamente retrocessos, reforça ele, com um negacionismo climático assustador e irresponsável.

Um exemplo foi a inclusão, no projeto de lei das eólicas offshore, de benefícios para a geração a carvão, que se concentra na Região Sul e é o pior combustível fóssil, em termos climáticos, para geração de eletricidade. Sem falar no PL 4.653/2023, proposto por três senadores gaúchos – Hamilton Mourão (Republicanos), Luiz Carlos Heinze (Progressista) e Paulo Paim (PT) – que pretende fornecer subsídios ao uso do carvão mineral (quase R$ 1 bilhão/ano, segundo a ANEEL) e a outros combustíveis fósseis até 2040.

O secretário do OC ainda lembra que ações que se limitam às respostas de emergência em situações de crise não são suficientes. Eventos extremos como o que atingiu o território gaúcho – cada vez mais comuns por causa das mudanças climáticas – não podem mais ser tratados como “imprevistos”.

As chuvas extremas no sul da América do Sul, que inclui toda a bacia do Prata, são há décadas uma previsão recorrente dos modelos climáticos. Mas a informação é ignorada por sucessivos governos estaduais. “Enquanto não se entender a relevância da adaptação, essas tragédias vão continuar acontecendo, cada vez piores e mais frequentes”, diz Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.

E o desmonte da legislação ambiental não se dá apenas em nível federal. Como lembra Ayrton Centeno no Brasil de Fato, em matéria reproduzida pelo ICL Notícias, o Código Ambiental do Rio Grande do Sul, que levou 9 anos entre debates, audiências e aperfeiçoamentos, foi atropelado pelo governo Eduardo Leite (PSDB) em 2019, primeiro ano de seu 1º mandato. Seu projeto limou ou alterou 480 pontos da lei ambiental do estado.

O texto original, de 2000, teve a ajuda de José Lutzenberger, uma das maiores referências em ecologia no Brasil, em sua elaboração. Mas a ideia atrás da mudança promovida por Leite foi a de flexibilizar as exigências e favorecer os empresários, concedendo-lhes, em alguns casos, o próprio auto licenciamento.

Entre a apresentação do projeto do governador em setembro de 2019 e a aprovação na Assembleia Legislativa do RS em 11 de dezembro, foram apenas 75 dias – só não transcorreu em menor tempo porque uma decisão judicial impediu a tramitação em 30 dias sob regime de urgência. Neste ínterim, houve apenas uma audiência pública, que terminou em bate-boca.

A tragédia climática no Rio Grande do Sul teve ampla cobertura nacional e internacional, com matérias nas Reuters, AP, France24, UOL, CNN, Metrópoles, DW, Agência Brasil, Folha, SBT, Canal Rural, Poder 360, Bloomberg e O Globo, entre outros.

Em tempo: A maioria dos municípios está despreparada para lidar com eventos climáticos extremos como os que atingem o Rio Grande do Sul, indicam as próprias administrações municipais. Os dados são de um levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) obtido pelo g1. Ao todo, prefeituras de 3.590 dos 5.570 municípios brasileiros responderam à pesquisa “Emergência Climática”, realizada entre 1 de dezembro de 2023 e 24 de janeiro de 2024. Questionadas se seus municípios estão preparados para o aumento de eventos climáticos extremos, as prefeituras responderam: Não – 68%; Sim – 22,6%; Desconheço as previsões de eventos climáticos que poderão afetar o meu município – 6%; Não respondeu – 3,4%. A pesquisa considerou como “preparo contra os eventos climáticos extremos” ações como elaboração dos planos de mitigação e adaptação, medidas estruturais para enfrentar as emergências climáticas e captação de recursos.

 

 

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ClimaInfo, 6 de maio de 2024.

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