O que acontecerá na América Latina se o aquecimento global chegar a 1,5°C? E se passar disso?

Na foto, seca atinge rio Colorado, no México

 

Na América Latina, como no restante do mundo, já vivemos em um mundo 1oC mais quente do que era antes da revolução industrial, e já sentimos muitos impactos deste aquecimento, como mostra o relatório especial 1,5oC do IPCC. Mas o que acontecerá no nosso continente se chegarmos a 1,5oC? E se ultrapassarmos esta temperatura média?

 

Entre os diversos impactos esperados para a América Latina em um mundo aquecido 1,5°C em média, a ciência considera provável que 5,8 milhões de pessoas sejam obrigadas a abandonar suas casas e regiões de moradia por conta do clima até 2050.[1]

 

Neste cenário, o aumento das temperaturas, as secas e os padrões climáticos instáveis previstos terão sérias implicações para a produção de alimentos global e, claro na da América Latina e do Caribe. Por exemplo, cada grau à mais da temperatura global reduz a produtividade global do trigo em 6,0%, a do arroz em 3,2%, a do milho em 7,4% e a da soja em 3,1%.

 

Se o aquecimento subir acima de 1,5°C, os efeitos sobre a agricultura serão certamente maiores. Isto porque a produtividade agrícola ao redor do mundo cai rapidamente para um aumento de temperatura entre 1°C e 3°C. Quando a temperatura média chega a 3°C acima dos níveis pré-industriais, todas as lavouras em todos os locais são afetadas negativamente – inclusive em regiões temperadas.[2] E várias espécies de peixes correm o risco de extinção em certos locais, trazendo impactos sérios à pesca.[3]

 

Em um cenário de altas emissões (o cenário RCP8.5 do IPCC), no qual as temperaturas sobem entre 4,0°C e 6,1°C até o final do século, prevê-se um desenvolvimento econômico modesto para a América Latina e uma migração por razões climáticas de aproximadamente de 10,5 milhões de pessoas até 2050.[4]

 

Portanto, é bastante benéfico agir para limitar o aquecimento global em 1,5°C. O esforço para esta limitação traria grandes benefícios para a saúde, por exemplo. Seria evitados 3,3 milhões casos de dengue por ano na América Latina e no Caribe, em comparação com um cenário que segue as tendências atuais nas quais o aquecimento chega a 3,7°C.

 

América do Sul

 

Particularmente, para a América do Sul, mesmo com a limitação do aquecimento global em 1,5°C, a quantidade de água doce disponível em rios e lagos no Nordeste do Brasil pode cair em 7%. Se o aquecimento global ultrapassar 1,5°C e chegar a 2°C, prevê-se que a precipitação média anual na bacia do rio Amazonas diminua em cerca de 30%.

 

À medida que as temperaturas sobem, as áreas protegidas começam a desaparecer. Com 2°C, 25% das 80 mil espécies de plantas e animais das áreas mais ricas em biodiversidade do mundo, como na Amazônia e as ilhas Galápagos, correm o risco de extinção até o final do século. Temperaturas mais altas podem afetar o comportamento de insetos e animais, causando um efeito cascata que afeta ecossistemas inteiros.

 

A ciência do clima identificou uma série de possíveis “pontos de inflexão“, nos quais uma mudança abrupta no clima pode ocorrer. O oceano Ártico poderia ficar sem sua cobertura de gelo mesmo no inverno, a floresta amazônica poderia desaparecer, ou o platô tibetano poderia ver o desaparecimento total da cobertura de neve e gelo. É extremamente difícil saber se e quando esses eventos súbitos ocorrerão – portanto, os cientistas só podem avaliar os níveis de risco da mudança. Mas um estudo recente calculou que metade dos potenciais pontos de inflexão identificados podem ser desencadeados por um aumento na temperatura global de 2°C ou até menos.

 

Em um cenário de emissões altas (RCP8.5), no qual as temperaturas sobem para entre 4,0°C e 6,1°C até o final do século, e com um desenvolvimento econômico moderado, a América do Sul poderá ter cerca de 9,1 milhões de migrantes climáticos até meados do século, 1,9% da população.[5]

 

Já um aumento de temperatura da ordem de 3°C aumenta a possibilidade de sistemas naturais frágeis, como o Ártico ou a Amazônia, passarem por “mudanças abruptas e irreversíveis”, derretendo por completo ou secando, por exemplo. Os riscos de ocorrência destes “pontos de inflexão” são moderados para aumentos de temperatura entre 0 e 1°C, mas “aumentam desproporcionalmente” à medida que a temperatura passa de 1°C para 2°C, tornando-se “altos” acima de 3°C [6], segundo o IPCC. A inclusão desses riscos na modelagem econômica eleva o custo social do carbono de US$ 15/tCO2 para US$ 116/tCO2.

 

Com 3,5°C de aumento de temperatura, a taxa de malária na América do Sul deverá aumentar em 50%, em comparação com os níveis pré-industriais.[7]

 

América Central

 

Com o aquecimento global chegando em 1,5°C até o final do século, o México e a América Central poderão ver uma migração climática de 1,4 milhões de pessoas até meados do século.[8]

 

Nove entre dez recifes de corais estarão em risco de degradação severa a partir de 2050. Até 2100 a proporção cai para 70% – o que significa que alguns recifes de corais têm chance de sobreviver. No momento, os recifes de corais fornecem cerca de US$ 30 bilhões anualmente para a economia mundial na forma de serviço de proteção costeira, materiais de construção, pesca e turismo.

 

Se o aquecimento global ultrapassar 1,5°C, a agricultura em regiões tropicais da América Central provavelmente será especialmente atingida. O rendimento do trigo pode cair em 25% em alguns lugares se a temperatura subir 1,5°C. No entanto, limitar a elevação da temperatura em 1,5°C ao invés de deixa-la subir até 2°C trará consequências menos graves para a segurança alimentar em muitos países mais pobres.

 

Se as temperaturas subirem 2°C, praticamente todos os recifes de coral tropicais do mundo estarão em risco de degradação e colapso. Os recifes de coral respondem por entre 10 e 12% da pesca em países tropicais, e entre 20 e 25% da pesca em países em desenvolvimento.[9] Eles fornecem comida, renda e proteção contra tempestades para milhões de pessoas ao longo das áreas costeiras.

 

Na Nicarágua, o número de dias com estresse alto por conta do calor pode aumentar em 5% até meados do século, se o aquecimento médio global ultrapassar os 3°C.

 

Se o aquecimento chegar a 3°C, as florestas tropicais podem sofrer uma redução de mais de 50%. Uma grande proporção delas seria substituída por savana e pastagem.

 

Em um cenário de altas emissões (RCP8.5), onde as temperaturas sobem entre 4,0 e 6,1°C até o final do século, o México poderá ter uma migração provocada por razões climáticas de 1,2 milhão de pessoas até meados do século.[10]

 

O Brasil e o Acordo de Paris pelo clima do planeta

 

A NDC do Brasil é classificada pela Climate Action Tracker como “insuficiente” para atingir a meta de temperatura de 1,5°C contida no Acordo de Paris. As atuais promessas climáticas brasileiras são consistentes com o aquecimento global em até 3°C.

 

O Brasil ratificou o Acordo de Paris e prometeu reduzir as emissões domésticas em 37% até 2025, e em 43% até 2030 abaixo dos níveis de 2005.

 

Além disso, o Brasil estabeleceu uma meta de longo prazo para fazer a transição para sistemas de energia renovável e descarbonizar da economia global até o final do século.

 

Argentina e o Acordo de Paris

 

A NDC da Argentina é avaliada pelo Climate Action Tracker como “altamente insuficiente” – bem abaixo do que é necessário para atingir a meta de temperatura de 1,5°C contida no Acordo de Paris. As promessas atuais do clima argentino são consistentes com um aquecimento global de entre 3 e 4°C.

 

A Argentina ratificou o Acordo de Paris e prometeu reduzir as emissões domésticas em 22% acima dos níveis de 2010 (meta incondicional) e em 7% abaixo dos níveis de 2010 (meta condicional).

[1] Groundswell: Preparing for Internal Climate Migration, (2018), World Bank Group, p.111.

[2] IPCC, AR5, WGII, Capítulo 7, p.497.

[3] IPCC, AR5, WGII, Capítulo 7, p.508.

[4] Groundswell: Preparing for Internal Climate Migration, (2018), World Bank Group, p.111.

[5] Groundswell: Preparing for Internal Climate Migration, (2018), World Bank Group, p.109.

[6] IPCC, AR5, WGII, SPM, p.12.

[7] Turn down the heat: why a 4°C warmer world must Be avoided (2012), The World Bank, p.56.

[8] Groundswell: Preparing for Internal Climate Migration, (2018), World Bank Group, p.163.

[9] IPCC, AR5, WGII, CC Boxes, p.99.

[10] Groundswell: Preparing for Internal Climate Migration, (2018), World Bank Group, p.163.