Dinheiro público pagou seguro para lavouras em fazendas desmatadas ilegalmente

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Fernando Martinho/Repórter Brasil

Governo federal subsidiou contratos de seguradoras multinacionais Brasilseg, Allianz, TOKIO Marine, MAPFRE e Fairfax que protegeram fazendas com áreas interditadas para o plantio, mostra investigação.

O valor total de apólices de seguros rurais no Brasil bateu recorde em 2022. A cifra chegou a R$ 12,6 bilhões, 40% mais que no ano anterior. Segundo o governo federal, é um serviço que vem sendo cada vez mais demandado por produtores, devido aos eventos climáticos adversos cada vez mais frequentes – resultado das mudanças climáticas, para as quais o agronegócio deu e continua dando grande contribuição. Na safra 2021/2022, as indenizações cresceram quatro vezes em relação ao ano agrícola anterior devido à forte estiagem em partes do país no período.

A Repórter Brasil cruzou informações de apólices contratadas por meio do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), do Ministério da Agricultura, com dados fundiários e de fiscalizações ambientais. E descobriu que seguradoras multinacionais que operam no Brasil forneceram cobertura contra perdas para lavouras situadas em fazendas com embargos por desmatamento ilegal. E pior: parte do valor dos contratos foi paga com dinheiro público, mostra o relatório Monitor Repórter Brasil.

As subsidiárias brasileiras de Allianz (Alemanha), MAPFRE (Espanha), FAIRFAX (Canadá), TOKIO MARINE (Japão) e Brasilseg – parceria entre a MAPFRE e a BB Seguros, do Banco do Brasil – forneceram seguro para quatro fazendas com 1.968 hectares embargados ao todo. Em alguns casos, as coordenadas indicadas incidem sobre a área embargada. Em outro, 100% da propriedade segurada estava embargada quando os seguros foram contratados.

Há também casos de violação de Territórios Indígenas. As filiais nacionais da japonesa SOMPO e da espanhola MAPFRE aceitaram cobrir perdas em lavouras cultivadas por não indígenas na TI Ivaí, no Paraná, destaca a Repórter Brasil. Os contratos foram assinados em 2020 com dois produtores que, sete anos antes, foram incluídos em uma lista de arrendatários não indígenas em uma ação judicial movida pela FUNAI.

Dos 7 mil hectares da Terra Indígena onde vivem indígenas Kaingang, Guarani e Xetá, 1,2 mil hectares eram cultivados ilegalmente por pessoas externas à comunidade, em arrendamentos considerados ilegais. A TI Ivaí é homologada desde 1992, e por isso a produção agropecuária de não indígenas é proibida. Em 2014, a Justiça já havia determinado a retirada dos invasores do local – o que, pelo visto, não aconteceu.

Há também dinheiro público, usado pelas seguradoras, subsidiando cobertura para fazendas acusadas de usar trabalho escravo. Como detalha a Repórter Brasil, Porto Seguro, Brasilseg e a subsidiária brasileira da Essor, do grupo francês SCOR, garantiram apólices de seguro rural para produtores de maçã, tomate e café flagrados utilizando mão de obra escrava em suas propriedades.

Alguns desses proprietários rurais integravam a “lista suja” do trabalho escravo no momento da assinatura dos contratos ou durante sua vigência. Mesmo assim, as três seguradoras, que possuem compromissos de combate ao trabalho escravo em suas políticas corporativas e garantem a exclusão de parceiros de negócios com histórico de exploração de mão de obra nessas condições, não seguiram suas regras. Faça o que digo, não o que faço…

O plantio em áreas embargadas e em TIs homologadas por não indígenas é proibido por lei. Mesmo assim, o Ministério da Agricultura – responsável por subsidiar os contratos entre fazendeiros e seguradoras – prevê apenas para este ano o lançamento de um mecanismo capaz de monitorar a legalidade ambiental dos plantios segurados. E só agora também o governo federal está desenvolvendo um sistema de monitoramento dos produtores subvencionados em que os nomes dos candidatos a beneficiários serão conferidos na “lista suja”. A conferir.

A investigação da Repórter Brasil foi repercutida pela Bloomberg.

 

ClimaInfo, 15  de fevereiro de 2024.

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