
O climatologista Carlos Nobre questionou frontalmente a necessidade do Brasil investir em energia nuclear em sua coluna publicada na última 3a feira (15/4) no UOL Ecoa. O texto, escrito em parceria com o engenheiro Flamínio Levy Neto, citou a pressão pela diminuição de emissão de CO2 e o fortalecimento da narrativa da energia nuclear como alternativa limpa, o que ignora os muitos fatores de poluição radiativa e outros riscos inerentes à sua produção.
A energia nuclear também não é barata, lembraram os especialistas. Os custos têm aumentado, tornando-a três vezes mais cara que fontes renováveis como eólica e solar, enquanto os riscos ambientais persistem – desde a mineração do urânio, que libera gases radioativos, até o armazenamento perigoso de resíduos como plutônio e césio-137. A vulnerabilidade de usinas a acidentes e conflitos armados, como na Ucrânia, coloca em xeque sua segurança.
Assim o Brasil, por sua matriz hidrelétrica e potencial nas energias renováveis do Sol e dos ventos, ao contrário de outros territórios que contam com escassez deste tipo de recurso, não depende da geração nuclear para descarbonização.
O governo brasileiro discorda de Nobre e Levy Neto. Em reunião com a maior empresa de separação de isótopos de urânio do mundo, a russa Rosatom, no último mês de dezembro, o ministro das Minas e Energia Alexandre Silveira foi explícito ao falar sobre o que chamou de uma política nacional para traçar uma cadeia nuclear. “Estamos dando início ao novo processo de estruturação da energia nuclear brasileira, uma energia firme e com baixo impacto ambiental. O presidente Lula está liderando, com firmeza, o renascimento da energia limpa no Brasil”, afirmou (não ouvimos nada diretamente do presidente, vale observar).
No final de março, foi a vez da pauta protagonizar as negociações entre Governo Federal e a Eletrobrás, como noticiou Poder 360. A disputa por cadeiras no Comitê decisório foi encerrada após um acordo garantir a retomada da construção da Usina Nuclear de Angra 3, além da injeção de R$ 2,4 bilhões para modernização e ampliação de Angra 1.
A tendência é mundial. Segundo relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em Inglês) divulgado em janeiro, a produção global de energia nuclear deve alcançar um nível sem precedentes em 2025, atingindo 2.900 terawatts-hora, informou a Deutsche Welle .
Enquanto nações como a Alemanha desligam seus reatores, 40 países, incluindo economias emergentes, planejam expandir ou inaugurar usinas, com 62 reatores em construção até o fim de 2024, somando 70 gigawatts de capacidade. A China lidera esse movimento, respondendo por metade das novas unidades e tornando-se a terceira maior potência nuclear operacional do mundo, em um cenário que reflete o maior interesse pela tecnologia desde os anos 1970. Atualmente 10% da geração global de eletricidade de baixa emissão de gases de efeito estufa é nuclear, perdendo apenas para a geração hidrelétrica.
Mesmo que tenha desligado seus últimos reatores em 2023 e demolido torres de resfriamento como as de Grafenrheinfeld em 2024, a Alemanha segue como peça-chave no mercado global de urânio enriquecido através da Urenco, consórcio anglo-holandês-alemão que viu sua carteira de pedidos saltar 25% em 2023, atingindo €18,7 bilhões, como detalhou a Folha.
Apesar da política nacional antinuclear, a empresa, segunda maior do setor atrás apenas da russa Rosatom, relata mudança na opinião pública alemã e investe em novas centrífugas para atender à demanda global, impulsionada pela fuga de países ocidentais da dependência do urânio russo após a guerra na Ucrânia.
Enquanto a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) projeta crescimento de até 40% na energia nuclear até 2050, a Urenco já celebra contratos até 2040 com EUA e Europa, embora mantenha cautela com os pequenos reatores modulares, onde 80 tecnologias disputam espaço num mercado ainda incerto.
Vale lembrar que foi exatamente com a Alemanha que o Brasil fechou, em 1975, o controverso acordo nuclear Brasil-Alemanha, que em plena Ditadura Militar previa a construção de oito usinas no país. Os diferentes ganhos entre os países, porém, acabaram sendo desproporcionais. Apenas uma das oito usinas propostas, Angra 2, foi construída, enquanto a então Alemanha Ocidental resolveu três crises simultâneas: revitalizou sua indústria nuclear em declínio, escoou tecnologia questionada (como o fracassado sistema jet-nozzle) e garantiu lucros bilionários para empresas como a Siemens/KWU.
O Brasil, afetado pela crise do petróleo, buscava autonomia energética. Mas os alemães souberam capitalizar melhor a parceria. Bancos germânicos financiaram o projeto a juros altos e a KWU-Siemens foi acusada de superfaturamento em uma CPI em 1979. Enquanto isso, o Brasil amargou atrasos tecnológicos e hoje gasta R$ 1 bi por ano em um submarino nuclear que só ficará pronto, se a empreitada tiver sucesso, em 2040.



