Brasil não tem motivos para investir em energia nuclear, diz cientista

O climatologista Carlos Nobre pontuou especificidades do contexto brasileiro e os riscos de se seguir a tendência de crescimento mundial.
17 de abril de 2025
brasil energia nuclear
PxHere

O climatologista Carlos Nobre questionou frontalmente a necessidade do Brasil investir em energia nuclear em sua coluna publicada na última 3a feira (15/4) no UOL Ecoa. O texto, escrito em parceria com o engenheiro Flamínio  Levy Neto, citou a pressão pela diminuição de emissão de CO2 e o fortalecimento da narrativa da energia nuclear como alternativa limpa, o que ignora os muitos fatores de poluição radiativa e outros riscos inerentes à sua produção.

A energia nuclear também não é barata, lembraram os especialistas. Os custos têm aumentado, tornando-a três vezes mais cara que fontes renováveis como eólica e solar, enquanto os riscos ambientais persistem – desde a mineração do urânio, que libera gases radioativos, até o armazenamento perigoso de resíduos como plutônio e césio-137. A vulnerabilidade de usinas a acidentes e conflitos armados, como na Ucrânia, coloca em xeque sua segurança.

Assim o Brasil, por sua matriz hidrelétrica e potencial nas energias renováveis do Sol e dos ventos, ao contrário de outros territórios que contam com escassez deste tipo de recurso, não depende da geração nuclear para descarbonização.

O governo brasileiro discorda de Nobre e Levy Neto. Em reunião com a maior empresa de separação de isótopos de urânio do mundo, a russa Rosatom, no último mês de dezembro, o ministro das Minas e Energia Alexandre Silveira foi explícito ao falar sobre o que chamou de uma política nacional para traçar uma cadeia nuclear. “Estamos dando início ao novo processo de estruturação da energia nuclear brasileira, uma energia firme e com baixo impacto ambiental. O presidente Lula está liderando, com firmeza, o renascimento da energia limpa no Brasil”, afirmou (não ouvimos nada diretamente do presidente, vale observar).

No final de março, foi a vez da pauta protagonizar as negociações entre Governo Federal e a Eletrobrás, como noticiou Poder 360. A disputa por cadeiras no Comitê decisório foi encerrada após um acordo garantir a retomada da construção da Usina Nuclear de Angra 3, além da injeção de R$ 2,4 bilhões para modernização e ampliação de Angra 1.

A tendência é mundial. Segundo relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em Inglês) divulgado em janeiro, a produção global de energia nuclear deve alcançar um nível sem precedentes em 2025, atingindo 2.900 terawatts-hora, informou a Deutsche Welle .

Enquanto nações como a Alemanha desligam seus reatores, 40 países, incluindo economias emergentes, planejam expandir ou inaugurar usinas, com 62 reatores em construção até o fim de 2024, somando 70 gigawatts de capacidade. A China lidera esse movimento, respondendo por metade das novas unidades e tornando-se a terceira maior potência nuclear operacional do mundo, em um cenário que reflete o maior interesse pela tecnologia desde os anos 1970. Atualmente 10% da geração global de eletricidade de baixa emissão de gases de efeito estufa é nuclear, perdendo apenas para a geração hidrelétrica.

Mesmo que tenha  desligado seus últimos reatores em 2023 e demolido torres de resfriamento como as de Grafenrheinfeld em 2024, a Alemanha segue como peça-chave no mercado global de urânio enriquecido através da Urenco, consórcio anglo-holandês-alemão que viu sua carteira de pedidos saltar 25% em 2023, atingindo €18,7 bilhões, como detalhou a Folha.

Apesar da política nacional antinuclear, a empresa, segunda maior do setor atrás apenas da russa Rosatom, relata mudança na opinião pública alemã e investe em novas centrífugas para atender à demanda global, impulsionada pela fuga de países ocidentais da dependência do urânio russo após a guerra na Ucrânia.

Enquanto a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) projeta crescimento de até 40% na energia nuclear até 2050, a Urenco já celebra contratos até 2040 com EUA e Europa, embora mantenha cautela com os pequenos reatores modulares, onde 80 tecnologias disputam espaço num mercado ainda incerto.

Vale lembrar que foi exatamente com a Alemanha que o Brasil fechou, em 1975, o controverso acordo nuclear Brasil-Alemanha, que em plena Ditadura Militar previa a construção de oito usinas no país. Os diferentes ganhos entre os países, porém, acabaram sendo desproporcionais. Apenas uma das oito usinas propostas, Angra 2, foi construída, enquanto a então Alemanha Ocidental resolveu três crises simultâneas: revitalizou sua indústria nuclear em declínio, escoou tecnologia questionada (como o fracassado sistema jet-nozzle) e garantiu lucros bilionários para empresas como a Siemens/KWU.

O Brasil, afetado pela crise do petróleo, buscava autonomia energética. Mas os alemães souberam capitalizar melhor a parceria. Bancos germânicos financiaram o projeto a juros altos e a KWU-Siemens foi acusada de superfaturamento em uma CPI em 1979. Enquanto isso, o Brasil amargou atrasos tecnológicos e hoje gasta R$ 1 bi por ano em um submarino nuclear que só ficará pronto, se a empreitada tiver sucesso, em 2040.

Continue lendo

Assine Nossa Newsletter

Fique por dentro dos muitos assuntos relacionados às mudanças climáticas

Em foco

Aprenda mais sobre

Justiça climática

Nesta sessão, você saberá mais sobre racismo ambiental, justiça climática e as correlações entre gênero e clima. Compreenderá também como esses temas são transversais a tudo o que é relacionado às mudanças climáticas.
2 Aulas — 1h Total
Iniciar