O clima, a cultura e a reinvenção do mundo

A COP30 pode representar uma virada se acolher a força dos territórios: suas práticas, memórias e formas de estar no mundo
24 de julho de 2025
  • Eduardo Carvalho e Mariana Resegue
o clima, a cultura e a reinvenção do mundo

A crise climática é, antes de tudo, uma crise de modelo de mundo, que coloca em xeque nossa ciência, nossa economia e nossa capacidade de imaginar, comunicar e agir coletivamente. Para enfrentá-la, portanto, não basta avançarmos em políticas e tecnologias. É preciso mudar mentalidades, comportamentos, prioridades. E nesse ponto a cultura se torna fundamental: não como algo acessório, mas como uma plataforma central para ampliarmos a compreensão do problema e promover respostas mais consistentes.

O enfrentamento das mudanças climáticas costuma se concentrar em fóruns técnicos, restritos a autoridades e especialistas, distantes do dia a dia das populações mais afetadas. Mas a transformação necessária demanda muito mais do que metas e relatórios: exige entendimento sobre o que está acontecendo, conexão com os territórios, com os modos de vida e com as linguagens que mobilizam as pessoas.

A cultura tem ajudado a sociedade a entender que proteger o meio ambiente não é luxo, mas necessidade. É por meio dela, também, que somos capazes de reconhecer que a natureza não está fora de nós: é algo inseparável da nossa própria existência. Está nos rios e florestas, mas também nas formas de convivência, nos saberes ancestrais, nas celebrações populares, na arte que nasce da experiência com o território. Valorizar a cultura é valorizar a nossa própria humanidade..

Cultura une, traduz, engaja, estabelece vínculos, comunica dores e desejos, constrói pertencimentos. E, em muitas comunidades, é também forma de sobrevivência e resistência. Em contextos nos quais o Estado não chega ou só se faz presente por meio da repressão, é a cultura que garante coesão, memória e futuro.

No entanto, é importante lembrar que expressões culturais de territórios marginalizados têm sido frequentemente silenciadas ou criminalizadas. A repressão a festas tradicionais, as barreiras ao acesso à arte periférica e a segregação de práticas culturais de matriz africana e indígena, por exemplo, são, para além de expressões de racismo e elitismo, formas de exclusão política – ou de racismo ambiental. Negar espaço à cultura é negar a legitimidade das vozes que têm muito a dizer sobre como enfrentar a crise climática de maneira verdadeiramente democrática.

Os caminhos para o futuro sustentável não virão apenas de inovações tecnológicas ou acordos multilaterais, mas também de práticas já existentes, de narrativas que resistem, de territórios que criam alternativas em meio à escassez. E, sobretudo, da capacidade coletiva de imaginar o novo – algo que a cultura sempre fez.

A agenda climática precisa ser capaz de ouvir e incorporar essas múltiplas formas de saberes e expressões. Um encontro global sobre o clima que ignore a dimensão cultural corre o risco de repetir soluções que não funcionam, desenhadas longe demais da realidade de quem mais sofre com os impactos do colapso ambiental. Por outro lado, incluir a cultura no centro das discussões amplia horizontes, fortalece vínculos e é capaz de convocar mutirões de ideias e ações .

O Balanço Ético Global (BEG), iniciativa do Ministério do Meio Ambiente brasileiro, ONU e presidência brasileira, teve seu início em Londres com a edição europeia que aconteceu em Junho. O Balanço Ético é um exemplo em que a diplomacia dá protagonismo à cultura para extrair emoções e resultados em uma discussão sobre o que é, de fato, ética climática. O encontro foi iniciado com uma poderosa cena da peça de teatro “Kyoto”, concebida pela Good Chance Company, a qual abordava a luta entre países para a criação e implementação do primeiro acordo global para redução de emissões, o Protocolo de Quioto, que foi substituído posteriormente pelo Acordo de Paris, em 2015. Uma indireta mais do que direta sobre os rumos que seguem os processos de negociação climática.

O desafio que temos pela frente é grande demais. Como costuma dizer Marcele Oliveira, Jovem Campeã do Climática da Presidência da COP30, precisamos reinventar o mundo. Para além dos compromissos formais, isso implica reconhecer o valor das culturas que seguem invisibilizadas.

É essa mudança de paradigma que pode fazer da COP30, em Belém, um momento de virada: a chance de, pela primeira vez, a Conferência do Clima acolher, além das decisões técnicas e políticas, as expressões vivas dos territórios, suas linguagens, práticas e maneiras de ver o mundo. Foi isso o que colocamos em discussão no evento “Cultura e clima: caminhos para a COP30”, realizado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM).

Como colocaram Ana Toni, CEO da COP30, e Daniela Chiaretti, jornalista que cobre meio ambiente, durante as mesas, essa virada depende do reconhecimento de que cultura não é adereço – é estrutura. Em 1992, na Rio-92, ela ocupava as margens: vibrava no Aterro do Flamengo, mas passava longe das mesas oficiais. Hoje, no entanto, cresce a compreensão de que as linguagens culturais podem e devem compor as soluções. A cultura traz o afeto, a memória e os modos de vida que resistem e inspiram. É aí que mora sua potência política.

Mais do que um instrumento de comunicação da pauta climática, a cultura é parte essencial da resposta. Nela está nossa capacidade de criar sentidos coletivos, sustentar mudanças reais e de articular o cuidado com o planeta a partir de experiências concretas. Ignorar isso é desperdiçar a chance de envolver quem mais importa. Integrá-la é começar, de fato, a reinventar o mundo.

Eduardo Carvalho é curador de exposições, gestor cultural e diretor da Outra Onda Conteúdo. Mariana Resegue é diretora executiva da organização C de Cultura.

Continue lendo

Assine Nossa Newsletter

Fique por dentro dos muitos assuntos relacionados às mudanças climáticas

Em foco

Aprenda mais sobre

Justiça climática

Nesta sessão, você saberá mais sobre racismo ambiental, justiça climática e as correlações entre gênero e clima. Compreenderá também como esses temas são transversais a tudo o que é relacionado às mudanças climáticas.
2 Aulas — 1h Total
Iniciar