BR-319 tem intensa venda de terras antes do asfalto, e grilagem devasta floresta

Asfaltamento do chamado “Trecho do Meio” pode comprometer a meta climática do Brasil, além de ameaçar a biodiversidade amazônica.
30 de setembro de 2025
BR-319 estudos retomados
Divulgação Idesam

As obras de reconstrução do infame “Trecho do Meio” da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), sequer começaram, mas o projeto já está causando impacto ambiental no sul do Amazonas, com a grilagem e a venda ilegal de terras se intensificando.

O polêmico projeto conta com apoiadores locais poderosos, como os senadores Omar Aziz (PSD/AM) e Eduardo Braga (MDB/AM), além da simpatia de setores do governo federal. O discurso político em torno da obra tem sido reforçado por seus defensores, especialmente de olho nas eleições de 2026.

A Folha acompanhou a visita de uma comitiva de políticos ao distrito de Realidade, em Humaitá (AM). Aziz, aliado do presidente Lula, não conteve seu ímpeto e voltou a atacar a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva – que se transformou em um “bicho papão” responsável pelos obstáculos ao empreendimento. Além dos insultos, o senador ainda teve a coragem de negar a realidade ao afirmar que “a BR-319 está toda preservada” – quando, na verdade, o entorno da rodovia vem experimentando um acelerado processo de desmatamento e degradação, de olho nas obras.

A tentativa de contenção de danos no governo Lula não tem impedido o que especialistas chamam de “rondonização” da parte mais sul. O termo é usado para se referir à maneira que Rondônia foi ocupada, com intensa devastação ambiental para dar espaço a bois e pasto.

O Globo trouxe dados de dois estudos que exemplificam os impactos recentes da BR-319. O primeiro, feito por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), mostra que o desmatamento na rodovia está na origem da fumaça que cobriu Manaus em outubro de 2023. Nessa época, Manaus registrou níveis de poluição até 20 vezes acima do limite seguro estipulado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), destacam Um Só Planeta e Revista Cenarium. As chamas estão diretamente ligadas ao avanço da pecuária na região.

Já o segundo estudo salienta que a abertura de novas vias a partir da BR-319 pode provocar o desmatamento de quase 6 milhões de hectares até 2070. “Com a BR-319, tudo indica que o país terá dificuldade para cumprir a meta de desmatamento zero”, diz a pesquisadora do INPA e principal autora do artigo, Aurora Miho Yanai no InfoAmazonia.

O governo Lula está trabalhando em um plano para a viabilização da pavimentação que não seja predatório – no entanto, como Philip M. Fearnside explicou na Amazônia Real, isso é impossível. Para ele, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o plano de governança em uma faixa de 50 km a partir da estrada a ser proposto pela Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) nem arranham o impacto total da obra.

“Presumem que apenas a obra federal esteja em jogo, e não as cinco estradas estaduais a serem ligadas a ela, inclusive a AM-366 que abririam a vasta Região Trans-Purus, além de facilitar o plano para o enorme projeto de gás e petróleo ‘Área Sedimentar do Solimões'”, exemplifica. Fearnside relembra que, para o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), o projeto é considerado prioritário.

“Tanto a abertura da região Trans-Purus quanto os novos campos de gás e petróleo têm enormes consequências climáticas, com impactos desastrosos no Brasil. Tudo isto pode ser esperado a seguir de forma praticamente automática depois de reconstruída a BR-319”, completa.

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