
“Na beira do rio Tapajós, onde barcaças de soja e minério já rasgam malhadeiras e deixam peixes mortos, vemos uma amostra do que a Ferrogrão pode multiplicar. A ferrovia de 933 km entre Sinop (MT) e Miritituba (PA) é vendida como solução logística, mas, na prática, significa mais desmatamento, invasões e veneno sobre territórios e florestas.”
O clamor é da líder indígena Alessandra Munduruku, presidente da Associação Indígena Pariri, e de Renata Utsunomiya, analista de políticas públicas de transporte na Amazônia do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental. Em artigo n’O Globo, elas destacam que, além dos impactos socioambientais, a ferrovia (oficialmente chamada EF-170) sequer é viável financeiramente. Ainda assim, o governo insiste em sua instalação, mostram Folha e Estadão.
O projeto voltou aos holofotes por causa do Supremo Tribunal Federal (STF). Agora sob a presidência do ministro Edson Fachin, a corte começou a julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), apresentada pelo PSOL, sobre uma lei que alterou os limites do Parque Nacional do Jamanxim (PA), informa a CNN Brasil. A lei retirou 862 km² do parque para permitir a passagem da ferrovia.
A Ferrogrão é defendida por (surpresa!) entidades do agronegócio e gigantes de comercialização e logística, como Cargill, Bunge e Amaggi. Foi lançada no governo de Michel Temer, avançou bastante na (des)gestão de Jair Bolsonaro e, agora, é encampada pelo governo Lula, que incluiu o projeto no Novo PAC.
O argumento do Ministério dos Transportes é que o traçado da Ferrogrão não invadiria o parque, mantendo-se na “faixa de domínio” da rodovia BR-163, uma área de 40 metros de cada lado da estrada. Logo, o governo defenderá a viabilidade do projeto, mesmo que o STF anule os novos limites do Jamanxim.
A REPAM-Brasil, organismo ligado à CNBB, enviou carta ao STF na 2ª feira (29/9) pedindo a rejeição da Ferrogrão. No dia seguinte, representantes de Povos Indígenas realizaram uma mobilização em frente à corte contra o projeto, informa a VEJA. E na 1ª semana de novembro a “Caravana da Resposta”, com mais de 300 representantes de Povos Indígenas, movimentos sociais e Comunidades Tradicionais, partirá de Sinop rumo a Belém para a COP30, tendo o fim do projeto como uma de suas pautas, segundo a Folha.
“Não se trata apenas de árvores. Trata-se de vida. O traçado ameaça diretamente ao menos seis Terras Indígenas, 17 Unidades de Conservação e a vida de nossos parentes isolados. Os estudos do governo têm uma coragem covarde: ignoram quase por completo a existência deles, uma omissão que pode levar a novos genocídios. O Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados (Opi) já alertou que há, no mínimo, oito registros de Povos Isolados em risco iminente, como os Isolados do Alto Tapajós e os Kapôt Nhinore”, reforça o Presidente do Instituto Kabu, Doto Takak-Ire, n’((o))eco.
A Ferrogrão não é “só” uma ameaça socioambiental: o projeto é reprovado também por questões econômico-financeiras. Alessandra e Renata citam um estudo do Amazônia 2030 mostrando que o retorno financeiro realista da ferrovia é até sete vezes menor que o projetado. Inviabilidade reiterada por Claudio Frischtak, um dos maiores especialistas em infraestrutura do país, fundador e sócio-diretor da Consultoria Internacional de Negócios Inter.B.
“O projeto não é viável do ponto de vista econômico-financeiro, a menos que seja bancado pelo setor público. Seria uma obra pública travestida de concessão”, afirma o especialista à Folha.



