Desde quando dinheiro que banca petróleo e armas é “verde”?

Não há porque lamentar o fim da aliança climática de bancos, já que eles continuavam financiando combustíveis fósseis, inclusive na Amazônia.
10 de outubro de 2025
  • Alexandre Gaspari, jornalista do Climainfo

Com a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, em novembro do ano passado, a Net-Zero Banking Alliance (NZBA), coalizão climática global de bancos criada em 2021, começou a minguar. As grandes instituições estadunidenses foram as primeiras a abandonar o barco, seguidas posteriormente por bancos de outros países. Resultado: a NZBA anunciou o encerramento de suas operações na semana passada.

É lamentável ver qualquer mobilização criada para combater as mudanças climáticas chegar ao fim por pressões políticas de negacionistas climáticos. Mas não é esse o caso da NZBA, como pode parecer. Em seus pouco mais de quatro anos de duração, várias vezes bancos associados à coalizão foram expostos por investirem muito dinheiro em setores que não têm nada de sustentáveis, como o de combustíveis fósseis.

Uma prova disso  foi divulgada na mesma semana em que a NZBA acabou. Foi quando o estudo “The Money Trail: Behind fossil fuel expansion in Latin America and the Caribbean” mostrou que quase 300 bancos de todo o mundo investiram US$ 138,5 bilhões na expansão da indústria de petróleo e gás fóssil na América Latina e Caribe (ALC) de 2022 a 2024, incluindo na Amazônia. Segundo o levantamento, a Petrobras, que está prestes a obter autorização para explorar combustíveis fósseis na Foz do Amazonas, foi uma das principais beneficiadas.

Mas a pesquisa vai além e lista as 20 instituições financeiras que mais colocaram dinheiro na expansão da energia suja na ALC. O “top 20” respondeu por cerca de US$ 90 bilhões (65%) do total. A maior parte do dinheiro saiu de bancos do Norte Global, especialmente dos Estados Unidos e União Europeia, mas há instituições da China e do Brasil. E pior: boa parte delas eram associadas à aliança bancária criada para combater a crise climática.   

Os 20 bancos que mais investiram na exploração de combustíveis fósseis na ALC (2022-2024)
BancoPaísInvest. (US$ bilhões)
SantanderEspanha9,92
JPMorgan ChaseEUA8,11
CitigroupEUA7,93
ScotiabankCanadá7,19
Bank of AmericaEUA6,03
SMBC GroupJapão5,47
Mizuho FinancialJapão4,48
Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (BBVA)Espanha4,46
HSBCReino Unido4,4
Morgan StanleyEUA4,39
Mitsubishi UFJ FinancialJapão3,62
Deutsche BankAlemanha3,39
BarclaysReino Unido3,21
Royal Bank of CanadaCanadá3,09
Itaú UnibancoBrasil2,8
Bank of ChinaChina2,67
BMO Financial GroupCanadá2,61
Toronto-Dominion BankCanadá2,56
Wells FargoEUA2,16
BTG PactualBrasil2,1
TOTAL90,59
Fonte: The Money Trail: Behind fossil fuel expansion in Latin America and the Caribbean 

Entre participantes da NZBA que integram a “lista suja” dos combustíveis fósseis na América Latina e Caribe estão Santander, JP Morgan Chase, Citigroup, Scotiabank, HSBC, Deutsche Bank e Morgan Stanley. Além dos brasileiros Itaú Unibanco e BTG Pactual. Bancos que, em tese, estariam comprometidos com a agenda climática. Mas que não se furtaram a aplicar bilhões na indústria de combustíveis fósseis, e numa das regiões do planeta mais ameaçadas pelas mudanças do clima.   

Em geral, as inúmeras reportagens que acompanharam o esvaziamento da NZBA, desde a chegada de Trump à presidência dos EUA até o ocaso definitivo da coalizão na semana passada, apontavam a pressão do “agente laranja” como motivo para a debandada dos bancos da aliança. Mas o que o ataque do presidente estadunidense escancarou foi a total falta de comprometimento com a agenda climática e o greenwashing explícito de instituições financeiras auto-intituladas “verdes”. Não à toa alguns analistas disseram um “já vai tarde” para o fim do grupo que, no final das contas, foi apenas mais uma iniciativa de fachada.

Uma das estratégias das instituições financeiras e de gestoras de investimentos para se mostrarem “verdes” envolve o lançamento de fundos com critérios ESG, conceito que o mercado agarrou com unhas e dentes. No entanto, esse mecanismo, que busca atrair investidores preocupados com a agenda socioambiental e climática, também está sendo usado para colocar dinheiro em outros setores destrutivos.

A Bloomberg mostrou que o número de fundos de ações ESG da União Europeia expostos à indústria de armas nucleares aumentou mais de 50%, para mais de 2.000, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022. “O desenvolvimento expõe da forma mais crua possível a drástica evolução das práticas de investimento ambiental, social e de governança desde que o termo foi cunhado, há mais de duas décadas por uma equipe apoiada pelas Nações Unidas”, destacam Frances Schwartzkopff, Natasha White e Claudia Cohen, da Bloomberg Intelligence. 

“Siga o dinheiro!” é o mote de qualquer investigação que se preze para mostrar quem está por trás de setores econômicos – ou de atividades criminosas. E o que se vê na indústria de petróleo e gás fóssil é que o dinheiro dos bancos continua jorrando pesado para sua expansão, apesar da urgência climática. Pior: um dinheiro que se vende como “verde”, mas só se for pela cor das notas de dólar. Porque, no fim, ele é cinza como a poluição causada pela queima de combustíveis fósseis que financia.

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