MME falseia transição sem plano e sem voz dos atingidos

Em vez de implantar instrumentos, pasta de Silveira prefere “mutirão” coordenado pela indústria e sem sociedade civil, planos e metas reais.
14 de outubro de 2025
  • Alexandre Gaspari, jornalista no Climainfo

A pouco menos de 30 dias da COP30, em Belém, o Ministério de Minas e Energia (MME) promoveu um seminário chamado “Mutirão da Transição Energética para a COP30”. Pelo nome do evento, e em se tratando de um tema tão caro e necessário para a agenda climática, esperava-se que fosse uma oportunidade às vésperas da conferência do clima na Amazônia para planejadores, empresas e comunidades discutirem os próximos passos e correções de rumo na expansão de fontes renováveis no Brasil. 

Mas não foi o que aconteceu. O MME deixou a organização do “mutirão ” a cargo da Associação Brasileira de Energia Eólica Onshore e Offshore e Novas Tecnologias, a Abeeólica. Uma entidade que representa a indústria eólica no país, cujo histórico é de violação de direitos de comunidades, Povos Indígenas e Quilombolas e do meio ambiente na implantação de seus projetos, principalmente no Nordeste. Mesmo assim, a Abeeólica achou que o debate não precisava de vozes da sociedade civil. E o que deveria ser uma mobilização coletiva e multivocal virou uma reunião de lobbies, sob as bênçãos de uma pasta ministerial. O encontro foi um fracasso, com baixíssimo quórum.

Em vez de um evento sem eira nem beira, o ministério comandado por Alexandre Silveira poderia ter, enfim, dado a partida no Fórum Nacional de Transição Energética (FONTE), um colegiado composto por representantes de todos os segmentos da sociedade envolvidos no tema. O FONTE tem a responsabilidade de estabelecer parâmetros para o tão aguardado (e necessário) Plano Nacional de Transição Energética (PLANTE). Ambos estão a cargo do MME, e ambos estão atrasados. Pior: sem qualquer previsão para serem efetivados.  

O ministério, a Abeeólica e outras entidades setoriais sabem que as fontes renováveis são fundamentais para substituir os combustíveis fósseis e conter as mudanças climáticas. Sabem que o Brasil, com incidência de sol e vento em profusão, é um dos países do mundo com maior potencial de liderar esse processo. 

Mas todos também sabem que o que foi feito até agora para expandir a oferta de energia eólica e solar no país prejudicou [e continua prejudicando] comunidades, fauna e flora. Que a urgência da transição energética não pode justificar essa violência. E que uma transição justa tem de ser conduzida considerando pessoas, não tecnocratas e empreendedores, mas aquelas que podem ter suas vidas profundamente impactadas pela instalação de projetos de energia renovável. No entanto, continuam ignorando essas premissas, como comprovou o “mutirão” pilotado pela Abeeólica.

Essa exclusão não se dá por desconhecimento, falta de documentos ou canais de diálogo. É uma escolha deliberada. Que tenta se aproveitar de uma necessidade climática para “passar uma boiada” que repete a velha lógica desenvolvimentista do século passado, só que com um “toque de limpeza” das fontes renováveis.

Tanto que a sociedade civil tem vocalizado os problemas e caminhos de solução há alguns anos. Alguns desses caminhos vieram na forma de salvaguardas socioambientais para a implantação de projetos eólicos e solares na região. O primeiro foi lançado em janeiro de 2024; o outro, para usinas solares, em setembro deste ano. Documentos  construídos atendendo às demandas das comunidades atingidas, e com ampla participação de organizações da sociedade civil, representantes do poder público e especialistas de diversas áreas, com o apoio da iniciativa Nordeste Potência (NEP). E que foram e continuam sendo apresentados a diversas esferas do poder público, parlamentares e entidades empresariais.

Ecoando as vozes de pessoas e comunidades atingidas, esses materiais podem [e devem] ser referência para planejar, licenciar e instalar usinas eólicas e solares. É uma decisão inteligente inclusive do ponto de vista econômico-financeiro, pois o respeito a esses parâmetros sociais e ambientais evitaria judicializações. Que afetam a entrada em operação dos projetos como podem gerar indenizações a serem pagas por empreendedores. 

A transição energética não pode ser baseada numa visão arcaica de desenvolvimento, ainda mais quando se quer uma transição justa. A urgência global de se expandir a capacidade de fontes renováveis e a oferta de combustíveis de baixo carbono não pode repetir o padrão destruidor da indústria dos combustíveis fósseis, a principal causadora da crise climática. 

O MME tem ciência disso. Mas com Alexandre Silveira sendo um árduo defensor da exploração de petróleo no Brasil “até a última gota”, a transição vai se tornando cada vez mais distante – a ausência do FONTE e do PLANTE comprovam isso. Ainda mais longe está uma transição justa, que, ao que parece, serve apenas para o greenwashing da Petrobras em sua rica campanha publicitária na qual se autointitula “líder” desse processo.      

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