
A COP30 começará manchada de petróleo. Às vésperas da 1ª conferência do clima a acontecer na Amazônia, a Petrobras recebeu do IBAMA a licença para perfurar um poço exploratório de combustíveis fósseis na bacia sedimentar da Foz do Amazonas. A petrolífera, que usou o contrato da plataforma de perfuração para pressionar ainda mais o órgão ambiental, informou que pretende iniciar imediatamente a abertura do poço. Organizações da rede Observatório do Clima (OC) e movimentos sociais recorrerão judicialmente da autorização.
Para o OC, a liberação da licença é desastrosa do ponto de vista ambiental e climático e, também, uma sabotagem à COP30. Por isso, irão à Justiça denunciar as ilegalidades e falhas técnicas do processo de licenciamento, que podem tornar a licença nula.
“A emissão da licença para o bloco 59 é uma dupla sabotagem. Por um lado, o governo brasileiro atua contra a Humanidade ao estimular mais expansão da indústria fóssil, contrariando a ciência e apostando em mais aquecimento global. Por outro, atrapalha a própria COP, cuja principal entrega precisa ser a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Lula acaba de enterrar sua pretensão de ser líder climático no fundo do oceano, na Foz do Amazonas. O governo será devidamente processado por isso nos próximos dias”, reforçou n’O Globo Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do OC.
A entidade reitera que a licença para a Petrobras também cria dificuldades para o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, que agora precisará explicar o ato aos parceiros internacionais. E isso num momento em que o país saiu da Pré-COP com várias questões em aberto para a Conferência, mas também confiante de que as negociações poderiam fazer do evento na capital paraense a “COP da Implementação”, como almejado pela presidência brasileira.
Não se trata “apenas” da exploração de mais petróleo e gás fóssil num planeta que precisa eliminar esses combustíveis fósseis para conter as mudanças climáticas. A licença para o bloco 59 expõe mais uma vez a Amazônia a uma indústria que fez e continua fazendo estragos socioambientais na região.
A autorização do IBAMA saiu poucos dias após o Ministério Público Federal (MPF) do Amapá ir à Justiça para proibir o órgão de liberá-la sem um novo simulado de vazamento. Na Avaliação Pré-Operacional (APO) feita no fim de agosto, o próprio IBAMA constatou falhas no simulado e falta de informações nos documentos disponibilizados pela empresa no processo de licenciamento. Mas eis que numa única reunião, na semana passada, tais problemas foram sanados.
“As exigências adicionais para a estrutura de resposta foram fundamentais para a viabilização ambiental do empreendimento, considerando as características ambientais excepcionais da região da bacia da Foz do Amazonas”, afirma nota do IBAMA. No entanto, analistas do órgão demonstraram, nos dois anos e meio entre a primeira negativa para a Petrobras e a autorização, que as dúvidas técnicas persistiam. Ao ponto de até recomendarem o encerramento do processo de licenciamento.
Com tantas incertezas quanto aos impactos da atividade petrolífera em uma região de altíssima sensibilidade ambiental e com a falta de elementos básicos para um processo correto, como a consulta livre, prévia e informada aos Povos Indígenas e Quilombolas do Oiapoque, só sobra a política como justificativa. E a pressão foi absurda.
Parte significativa do governo, incluindo o presidente Lula, tem uma visão desenvolvimentista do século passado, que associa petróleo à riqueza, quando as experiências global e brasileira mostram o contrário. Some-se a isso os políticos do Amapá, como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), ávidos por royalties que dependem tanto do volume a ser produzido, se de fato houver petróleo e gás em quantidade comercial na Foz, como de seu preço. Preço que tende a cair, já que se projeta a queda da demanda a partir de 2030.
A licença para a Petrobras e as reações foram amplamente repercutidas pelas imprensas nacional e internacional, com matérias na Folha, O Globo, Estadão, Bloomberg, Reuters, Guardian, g1, CNN, Valor, InfoMoney, Metrópoles, Band, Valor, Vero Notícias, Daily Sabah, Acessa, Terra, Jornal Hoje, RFi e DW, entre outros.
Em tempo: Técnicos do IBAMA destacam os riscos colocados pela atividade petrolífera aos peixes-boi ameaçados de extinção e o fato de que foram ignorados os impactos aos Povos Indígenas. As informações constam no parecer técnico ao qual a Folha teve acesso. O documento não aponta obstáculos ao empreendimento, mas estipula o pagamento de uma compensação ambiental de R$ 39,6 milhões e sugere 34 condicionantes a serem cumpridas.



