
Em um mundo ideal, era de se esperar que qualquer discussão política sobre uma questão tão importante como o licenciamento ambiental acontecesse de forma cuidadosa, sustentada por uma análise técnica, sem pressa nem atropelo. Infelizmente, o Congresso Nacional brasileiro representa hoje o exato oposto desse mundo ideal, com discussões acontecendo de sopetão segundo a vontade de seus líderes e ignorando qualquer apelo básico ao bom senso.
Um exemplo grotesco disso aconteceu nesta 4a feira (3/12) no Senado Federal. Em uma votação que não durou nem dois minutos, os senadores terminaram o desmonte da legislação federal sobre licenciamento ambiental com a aprovação a jato da Medida Provisória (MP) 1.308/2025, que institui a Licença Ambiental Especial (LAE), uma modalidade de licenciamento ambiental express para obras tidas como “de interesse público” pelo governo.
Como observou o Observatório do Clima, grandes obras com alto potencial de impacto ambiental e social poderão driblar o rito rigoroso do licenciamento, passando por cima de etapas como consultas a comunidades afetadas. Com a LAE, grandes hidrelétricas, ferrovias, hidrovias, blocos de petróleo, portos e estradas, mesmo em áreas ambientalmente sensíveis como a Amazônia, poderão ser licenciadas em apenas um ano caso um conselho a ser criado pelo governo federal classifique esses empreendimentos como “estratégicos”.
A LAE foi uma invenção do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil/AP), ainda nas discussões sobre o PL da Devastação, como uma forma de facilitar a liberação de empreendimentos de interesse do parlamentar, como a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. A MP aprovada também coloca “tapete vermelho” para outro projeto de estimação do senador: a pavimentação do chamado “Trecho do Meio” da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), que agora possui status prioritário como “obra de reconstrução e repavimentação de rodovias preexistentes cujos trechos representem conexões estratégicas”. A Folha deu mais detalhes.
A MP foi editada pelo governo federal depois dos vetos parciais ao Projeto de Lei n° 2.159/2021, mais conhecido como “PL da Devastação”, que flexibiliza o licenciamento ambiental no Brasil. Quase todos os vetos foram derrubados pelo Congresso na semana passada, e os poucos que sobraram estavam relacionados à MP. Com a aprovação do texto, o Legislativo completa a imposição do maior retrocesso de legislação ambiental da história do Brasil, que ameaça os avanços obtidos desde a redemocratização na proteção do meio ambiente e dos direitos de comunidades afetadas por grandes empreendimentos.
“A LAE enfraquece o licenciamento ambiental ao inviabilizar estudos aprofundados e ampliar a interferência política em decisões técnicas, caracterizando evidente retrocesso socioambiental. A falta de critérios objetivos para definir projetos ‘estratégicos’ pode facilitar a aprovação de empreendimentos de alto impacto sem a devida avaliação socioambiental, somado ao fato de que ao impor prazos exíguos para emissão das licenças, a norma desconsidera a complexidade e as particularidades de cada caso, comprometendo a prevenção de danos e o próprio cumprimento do dever constitucional de proteção ambiental”, explicou Angela Barbarulo, gerente jurídica do Greenpeace Brasil.
CartaCapital, Estadão, Exame, Metrópoles, R7 e Valor, entre outros, repercutiram a aprovação da MP da LAE pelo Senado.



