As pedras no mapa do caminho para o fim dos combustíveis fósseis

Passo brasileiro é de suma importância, mas é preciso garantir que proposta para transição energética justa não se transforme em letra morta.
10 de dezembro de 2025
  • Alexandre Gaspari, jornalista no Climainfo
Créditos: Tauan Alencar/MME

O presidente Lula não conseguiu que a COP30 endereçasse a elaboração de um mapa do caminho para eliminar globalmente os combustíveis fósseis, ação fundamental para conter as mudanças climáticas. Mas, em vez de esperar, resolveu agir dentro de casa. Encomendou a quatro ministérios – Minas e Energia (MME), Meio Ambiente (MMA), Fazenda (MF) e Casa Civil – a proposição de diretrizes para um roteiro que leve o Brasil para além de petróleo, gás fóssil e carvão mineral. Tarefa que deve ser entregue até o início de fevereiro de 2026.

É um passo extremamente importante para um país que chegou à conferência do clima em Belém com suas contradições energéticas expostas. Afinal, dias antes de Lula conclamar líderes mundiais a estabelecerem estratégias para acelerar a transição energética e zerar o desmatamento, o Brasil autorizou a Petrobras a explorar petróleo e gás fóssil no litoral da Amazônia. Portanto, mais do que falar, era preciso agir. O que Lula fez agora.

Mas, não custa lembrar que “o diabo mora nos detalhes”, como diz o sábio dito popular. Em tese, o mapa do caminho brasileiro já estaria na rua por meio do Plano Nacional de Transição Energética (PLANTE), coordenado pelo MME. No entanto, o PLANTE continua rateando. Como garantir que o mesmo não ocorra com o roteiro para além dos combustíveis fósseis?

Um bom início para evitar esse fim é colocar uma lupa sobre nuances do despacho de Lula. O curto texto cita uma “transição energética justa e planejada”. E cobra a proposição de “mecanismos de financiamento adequados à implementação da política de transição energética, inclusive a criação do Fundo para a Transição Energética, cujo financiamento será custeado por parcela das receitas governamentais decorrentes da exploração de petróleo e gás”. 

“Transição energética justa” se tornou um conceito em disputa. Mas sua definição é simples: descarbonizar a energia ofertada sem deixar ninguém para trás. Seja quem trabalha na indústria de petróleo, gás e carvão; sejam comunidades que podem ser afetadas por projetos de energia renovável; seja levando energia a quem ainda não tem acesso a ela. No entanto, muitas vozes do governo que bradam essa noção não estão fazendo nada disso.

Um exemplo é a própria Petrobras. A petrolífera investiu milhões em uma campanha publicitária na qual se auto-intitula “líder da transição energética justa”. No mesmo ano, cortou 20% dos recursos para transição em seu plano quinquenal. E até agora investe apenas na descarbonização de suas operações, ou em projetos quase experimentais, que não atacam o maior problema: os combustíveis fósseis que ela produz – e quer produzir ainda mais.

Os defensores da exploração de petróleo no Brasil “até a última gota” também acionam a transição “justa”. Usam como argumento o alto nível de pobreza energética no país. No entanto, fazer justiça energética não significa levar uma energia suja para quem não a tem. Ainda mais se o objetivo é se afastar dessa energia suja.

Outro gatilho perigoso no decreto de Lula está no fundo para transição bancado com recursos de petróleo e gás. Esse argumento também é usado por quem defende explorar mais e mais combustíveis fósseis no país. O próprio ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, diz, sempre que pode, que o petróleo que a Petrobras ou outras petrolíferas talvez produzam na Foz do Amazonas será necessário para “bancar” a transição. O que é falácia.

Estudos já mostraram que as petrolíferas respondem por cerca de 1% dos investimentos globais em energia renovável. No Brasil, apenas Petrobras e Shell aplicam nessa linha, e mesmo assim de forma tímida, em biocombustíveis. Os demais investimentos em recursos renováveis não estão nas mãos da indústria de combustíveis fósseis.

Mas aqui, os combustíveis fósseis recebem quatro vezes mais subsídios do que as fontes renováveis, já mostrou o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). Portanto, em vez de capturar recursos de petróleo e gás para “financiar” a transição, bastaria ao governo ajustar suas prioridades. Isso, sim, deve estar no mapa do caminho encomendado por Lula.

Além disso, ainda que insista no fundo para transição com recursos governamentais de petróleo e gás, a experiência nacional é desanimadora. Basta olhar para o Fundo Social (FS), criado com recursos do petróleo e do gás do pré-sal para, em teoria, investir em saúde e educação, áreas nas quais o país tem graves problemas estruturais. No entanto, com o passar do tempo, o dinheiro do FS passou a ser usado para tudo, inclusive para fechar contas governamentais. Quem garante que o mesmo não acontecerá com o novo fundo?

Há essas e outras pedras no meio do mapa do caminho para além dos combustíveis fósseis. Se o passo dado por Lula é louvável, é preciso ainda mais cuidado a partir de agora, de modo a garantir também uma ampla participação da sociedade civil no processo. Ou corre-se o risco de transformar a necessária ação de eliminar petróleo, gás e carvão em letra morta. 

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