Os impactos das mudanças climáticas sobre a saúde em cenários de aquecimento de 1,5°C – 2°C – e 3°C

Cada décimo de grau importa, já que os impactos das mudanças climáticas e do aquecimento global sobre a saúde humana são sempre crescentes. 

 

Hoje, com um aquecimento global da ordem de 1oC acima da temperatura pré-industrial, já se observam em toda parte impactos das mudanças climáticas sobre a saúde humana.

 

A mudança climática afeta diretamente a saúde humana por meio de eventos climáticos extremos, da propagação de doenças transmitidas por vetores e outras doenças infecciosas e do agravamento da poluição do ar. Indiretamente, a mudança do clima afeta a saúde humana causando desnutrição, piorando as condições de trabalho e gerando estresse mental[1].

 

A ciência mostra que os impactos das mudanças climáticas sobre a saúde num cenário de aquecimento global de 1,5°C são menores que os esperados em um cenário de aquecimento de 2°C, e significativamente menores se comparados com a situação criada em um cenário de aquecimento de 3°C.

 

Portanto, limitar o aquecimento global em 1,5°C traz benefícios substanciais para a saúde das pessoas. Mas mesmo neste cenário as mudanças climáticas ainda criarão problemas de saúde para muitos.

 

Vamos descrever a seguir os impactos da mudança climática nos cenários de aquecimento global de 1,5°C, de 2°C e de 3°C, incorporando os achados das novas pesquisas sintetizadas no relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) lançado no início de outubro de 2018.

 

 

Os impactos do calor sobre a saúde

 

O calor extremo é uma das principais causas de morte relacionadas ao clima. Desde meados do século XX, a duração e a quantidade de ondas de calor aumentaram como resultado das mudanças climáticas causadas pelo homem. Mesmo que o aquecimento fique limitado a 1,5°C, haverá um aumento no número de dias quentes e de problemas de saúde relacionados ao calor, já que a combinação de mudanças climáticas com urbanização continua a intensificar os extremos de calor em todo o mundo[2].

 

O estresse térmico afeta a produtividade e pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares, respiratórias e renais. Mesmo o aquecimento de 1°C reduz potencialmente a produtividade entre 1% e 3% daqueles que trabalham ao ar livre. Populações pobres e sem acesso ao ar condicionado serão as mais afetadas, pois terão mais dificuldade de escapar do calor extremo.

 

O estresse térmico combinado com esforço físico e falta de hidratação pode causar a doença renal crônica (DRC), que diminui a função renal ao longo do tempo. Casos de DRC conhecidos como nefropatia mesoamericana surgiram na América Central, um tipo de nefropatia que pode estar ligada ao estresse térmico (HSN). A DRC afeta desproporcionalmente populações pobres e trabalhadores manuais que trabalham em condições térmicas quentes.

 

Se o aquecimento global for limitado em 1,5°C:

  • Em 2015, uma onda de calor em Karachi, no Paquistão, matou 300 pessoas. De acordo com uma projeção, um aumento de temperatura de 1,5°C faria a região passar pela mesma temperatura uma vez a cada 3,6 anos.
  • No clima de hoje, em média, a África sofre de uma a três ondas de calor por ano, nas quais as temperaturas sobem para a faixa de 5% das mais altas da média da região durante 2 ou 3 dias. Em um mundo aquecido em 1,5°C, esta frequência pode dobrar até meados do século.
  • Num mundo aquecido em 1,5oC, duas vezes mais megacidades (como por exemplo, Lagos na Nigéria e Xangai na China) podem sofrer estresse térmico, expondo mais 350 milhões de pessoas ao calor até 2050[3] (isto é mais do que a população combinada do México e do Brasil).

 

Se o aquecimento global chegar em 2°C:

  • A onda de calor do verão europeu de 2003, que matou 70.000 pessoas, foi um exemplo de onda de calor ‘três sigma’. A maioria das ondas calor deste nível resultam em sérios impactos para a sociedade, provocando mortes, incêndios florestais graves ou perdas de colheitas. Se as temperaturas subirem 2°C acima dos níveis pré-industriais, extremos de calor deste nível poderão acontecer em metade dos meses de verão dos países tropicais, enquanto na Europa Ocidental, poderão acontecer em um quinto dos meses de verão. No Oriente Médio e no Norte da África, as temperaturas poderiam chegar a 46°C nos dias mais quentes. Temperaturas altas assim representam uma séria ameaça à vida e poderiam tornar inabitáveis algumas partes da região.

 

Se o aquecimento global ultrapassar os 3°C:

  • No clima de hoje, a África sofre em média de uma a três ondas de calor por ano. Se as temperaturas médias subirem 3°C até o final do século, estas ondas de calor podem aumentar em cinco vezes até meados do século.
  • Também é provável que as secas se tornem cada vez mais frequentes e severas na área do Mediterrâneo, na Europa Ocidental e no norte da Escandinávia.

 

 

Os impactos da poluição do ar na saúde

 

A poluição do ar é hoje um dos principais fatores de risco à saúde, levando a aumentos importantes da mortalidade e da morbidade via doenças cardiovasculares e pulmonares. A poluição do ar em todo o mundo e frequentemente causada pelo uso dos mesmos combustíveis fósseis que causam a mudança climática, e esta pode piorar os efeitos da poluição do ar. A poluição do ar é um grande problema principalmente nas áreas urbanas, mas atinge níveis particularmente altos nas cidades do centro, do sul e do leste da Ásia.

 

Se o aquecimento global for limitado em 1,5°C:

  • Espera-se que as mortes relacionadas com o ozônio[4] aumentem das 382.000 que ocorreram no ano 2000 para aproximadamente 1,7 milhões em todo o mundo até 2100, num vasto leque de trajetórias futuras de aquecimento.

 

Se o aquecimento global chegar em 2°C:

 

 

Redução da disponibilidade de alimentos

 

A segurança alimentar é determinada por fatores ambientais, sociais, políticos e econômicos. Os problemas de disponibilidade de alimentos se tornarão mais pronunciados à medida que a temperatura global aumentar. Para cada grau de aumento de temperatura[5], a produção mundial de trigo cai em 6% e a produção mundial de arroz cai em 10%.

 

Mudanças na precipitação, aumento na temperatura média e mudanças na composição do solo são fatores determinantes para o crescimento e a qualidade das lavouras. A mudança climática pode reduzir o valor nutricional das lavouras, fazendo com que a subnutrição seja considerada por alguns pesquisadores como o maior impacto potencial da mudança climática na saúde neste século.

 

Novas pesquisas sugerem que em um mundo mais quente o metabolismo dos insetos aumente, fazendo com que estes comam mais e aumentem as perdas nas lavouras.

 

Se o aquecimento global for limitado em 1,5°C:

  • O aumento das temperaturas, a seca e os padrões climáticos instáveis ​​têm sérias implicações para a produção global de alimentos. Cada grau de aumento da temperatura global reduz a produtividade global do trigo em 6,0%, a do arroz em 3,2%, a do milho em 7,4% e a da soja em 3,1%. Algumas regiões serão mais afetadas do que outras. Por exemplo, na África Ocidental, a produção de trigo pode cair em até 25% se a temperatura subir 1,5°C[6].
  • A pesca também será afetada. Todos os anos, mais de 82 milhões de toneladas de peixe são pescados nos mares. Para cada grau de aquecimento, a pesca total poderia diminuir em 3 milhões de toneladas. O colapso dos recifes de coral, a acidificação dos oceanos ou a sobrepesca podem fazer este número subir ainda mais.

 

Se o aquecimento global chegar em 2°C:

  • Haveria uma média de 25 milhões de pessoas desnutridas à mais em comparação com o aquecimento de 1,5°C até o final do século[7].
  • Em Bangladesh, a redução dos estoques de peixes de água doce deve reduzir a segurança alimentar para a população mais pobre até meados do século, em comparação com o aquecimento de até 1,5°C.
  • A redução da disponibilidade de água reduzirá a segurança alimentar para uma pequena, mas significativa parte da população que vive nas grandes bacias hidrográficas asiáticas até 2050, em comparação com o aquecimento de até 1,5°C.[8]
  • Um aumento de 2°C na temperatura pode levar a perdas de 213 milhões de toneladas de arroz, milho e trigo.

 

Se o aquecimento global ultrapassar os 3°C:

  • Globalmente, os rendimentos agrícolas cairiam rapidamente ao passarmos de um para três graus de aquecimento. Quando as temperaturas locais atingem 3°C acima dos níveis pré-industriais, todas as lavouras são afetadas negativamente, onde quer que estejam no mundo, incluindo as regiões temperadas[9]. Espécies de peixes são extintas localmente, com sérios impactos na pesca[10].

 

 

Escassez de água

 

80% da população mundial já está enfrentando ameaças à sua segurança hídrica, incluindo disponibilidade de água, demanda por água e poluição. As populações que vivem em áreas baixas sofrem maior risco de inundação e contaminação de suas fontes de água doce[11] pela elevação do nível do mar e pela salinização do solo. Temperaturas mais altas das águas, aumento de chuvas e secas podem aumentar a poluição da água e prejudicar a saúde humana.

 

A mudança climática está pressionando ainda mais a segurança hídrica, alterando o ciclo hidrológico, assim como o aquecimento das camadas de geleiras e camadas de gelo estão impactando o suprimento de água doce. O Oriente Médio, a Índia, a Antártida e a Groenlândia estão enfrentando uma significativa perda de água doce.

 

Se o aquecimento global chegar a 2°C:

  • Fortes chuvas aumentarão em toda a Europa e em todas as estações, exceto no verão do sul do continente. A quantidade de chuva que cairá no centro e norte da Europa no inverno pode aumentar em até 20%. Mas, ao mesmo tempo, a chuva poderá diminuir em 20% no centro e sul da Europa no verão. No geral, 8% da população mundial poderá enfrentar severa escassez de água.

 

Se o aquecimento chegar a 3°C ou mais:

  • É provável que diminua a quantidade armazenada de água subterrânea. As águas subterrâneas abastecem cerca de um terço da água potável dos EUA, a maioria da Inglaterra e cerca de dois terços da Austrália.
  • Em algumas partes da Austrália[12], um aumento de temperatura de 3°C provavelmente reduziria a recarga de águas subterrâneas pela metade até 2050 em relação aos níveis de 1990. Na Inglaterra, essa recarga (quando a água se desloca da superfície para o subsolo) pode cair 22% em relação aos níveis atuais[13] até 2050.
  • 43% das geleiras na Ásia[14] que atualmente fornecem água para 800 milhões de pessoas que vivem na Índia, Paquistão, Afeganistão, China, Butão e Nepal podem perder-se.
  • O número de pessoas em todo o mundo que vivem perto de fontes de água potável propensas a sofrer escassez de água pela primeira vez ou agravada pode aumentar 8% a 2 °C e 11% a 3,5 °C[15] ao longo do século.

 

 

Doenças transmitidas por vetores

 

A mudança climática provoca mudanças na temperatura, precipitação e umidade, e como resultado, aumenta o risco de transmissão de doenças. É esperado que a mudança climática mude os padrões de doenças[16] com algumas regiões enfrentando aumentos, enquanto outras podem ter reduções.

 

A malária, a dengue, a encefalite japonesa e a encefalite transmitida por carrapatos são doenças infecciosas transmitidas por insetos que serão afetadas pela mudança climática. Mortes causadas por doenças transmitidas por vetores são, hoje, 300 vezes maiores nos países em desenvolvimento do que nos países desenvolvidos.

 

Com 3 °C de aquecimento:

  • O número de pessoas em risco de pegar malária globalmente aumentará em cerca de 4%[17], em comparação se o aumento de temperatura permanecer abaixo de 2 °C.

 

 

Limitar o aumento de temperatura reduzirá o risco desses impactos

 

No Acordo de Paris, os países ao redor do mundo concordaram em manter as temperaturas bem abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais e, definiram como objetivo, limitar a elevação da temperatura a 1,5°C. O mundo já se aqueceu em cerca de 1°C. Embora limitar o aquecimento a 1,5°C beneficie a saúde humana, não existe um ‘limite seguro‘ para a mudança climática para a saúde humana.

 

Limitando o aquecimento a 1,5 °C:

  • Limitar o aquecimento a 1,5°C trará maiores benefícios para a saúde humana do que 2°C, e maiores benefícios para os indivíduos em países em desenvolvimento.
  • Cerca de 3 milhões de casos de dengue por ano na América Latina e no Caribe poderiam ser evitados, em comparação com um cenário sem políticas e com aquecimento de 3,7°C. (0,5 milhões por ano menos do que 2°C.)
  • O número de pessoas em risco de malária pode ser pelo menos 150 milhões abaixo do número de pessoas em risco com aquecimento de 2 a 3°C.
  • Haverá menos a poluição atmosférica local e regional[18], na medida em que as emissões de gases com efeito de estufa são reduzidas, proporcionando os maiores co-benefícios para a saúde decorrentes da limitação das mudanças climáticas. Este é um benefício tão grande que, em termos econômicos, poderia ser maior [19]do que todo o custo de reduzir as emissões de carbono na maioria dos principais países emissores.
  • A limitação do aumento da temperatura em 1,5°C, em comparação com os 2°C, pode evitar 153 milhões de mortes prematuras por poluição atmosférica em todo o mundo até 2100, cerca de 40% delas nos próximos 40 anos.

 

Veja aqui mais sobre os cobenefícios da limitação do aquecimento global em 1,5oC.

 

[1] IPCC, AR5, WGII, Capítulo 11, p.716.

[2] Ibid, p. 35.

[3] Ibid, p. 35.

[4] Climate Change and Air Pollution: The Impact on Human Health in Developed, (2018), p.16.

[5] O relatório de 2017 da Lancet Countdown (2017), p.11.

[6] Differential climate impacts for policy-relevant limits to global warming: the case of 1.5C and 2C (Earth System Dynamics, 2016), p.337.

[7] A população mundial subnutrida ficara entre 530 e 550 milhões a 1,5 °C e entre 540 e 590 milhões a 2 °C.

[8] Ibid, p.15.

[9] IPCC, AR5, WGII, Capítulo 7, p.497

[10] IPCC, AR5, WGII, Capítulo 7, p.508.

[11] IPCC, AR5, WGII, Capítulo, 11, p.717.

[12] IPCC, AR5, WGII, Capítulo 3, Tabela 3-2.

[13] IPCC, AR5, WGII, Capítulo 3, p.249.

[14] O Himalaia, Hindu Kush, Karakoram, Pamir Alai, Kunlun Shan e Tian Shan – as geleiras asiáticas são um barreira regionalmente importante contra a seca (2017), Nature, p.169.

[15] IPCC, AR5, WGII, Capítulo 3, p.249.

[16] Health risks of warming of 1.5 °C, 2 °C, and higher, above pre-industrial temperatures (2018), Environmental Research Letters, p.5.

[17] Health risks of warming of 1.5 °C, 2 °C, and higher, above pre-industrial temperatures (2018), Environmental Research Letters, p.5.

[18] Multiple benefits from climate change mitigation: Assessing the evidence (2017), Grantham Research Institute. p.1.

[19] Based on a comparison of 2010 data from the World Health Organization’s Global Burden of Disease on air pollution and the US government’s 2015 estimate of the social cost of carbon – Ibid, p.1.