Porteira escancarada para o petróleo na Amazônia

Com MP que cria de imediato licença “express”, decisões sobre projetos de alto impacto ambiental passam a ser políticas, não técnicas.
11 de agosto de 2025
  • Alexandre Gaspari, jornalista no ClimaInfo.
Geraldo Magela/Agência Senado

Por mais que se reconheça que os vetos do presidente Lula a artigos do PL da Devastação (2.159/2021) amenizam a implosão do licenciamento ambiental promovida por deputados e senadores, a solução para um dos piores pontos do projeto deve parar nos tribunais. Trata-se da Licença Ambiental Especial (LAE), que joga para o terreno da política decisões eminentemente técnicas e acelera o processo de licenciamento, não importando o grau de incerteza sobre os projetos em avaliação. A LAE é uma porteira aberta à repetição de tragédias socioambientais como a hidrelétrica de Belo Monte, só que de forma açodada.

A LAE foi incluída no PL pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), ávido por acelerar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e, com isso, [tentar] encher os cofres públicos de seu estado com royalties. Algo nada garantido, pois depende de uma série de condições, começando pela comprovação da existência de petróleo e gás em quantidade comercialmente viável. Sem falar das projeções da Agência Internacional de Energia (IEA) indicarem o pico da demanda global por petróleo para 2030, quando logo ap

os deve entrar em queda, o que tornaria os investimentos na Foz em ativos encalhados, sem render nada para governos, municipais, estaduais ou federal. 

Vetada por Lula no texto do projeto de lei, a LAE foi parar em uma medida provisória já em vigor desde a sua publicação no Diário Oficial da União na última sexta-feira. A MP limita em um ano o processo de licenciamento de projetos considerados “estratégicos”. E quem vai estabelecer o que é “estratégico”? Um conselho criado pelo governo federal.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tentando se equilibrar no jogo contra forças contrárias à agenda ambiental no Congresso e também no Planalto, relativizou o perigo extremo da nova licença. Destacou a extinção na MP da análise dos projetos “estratégicos” em uma só etapa, como havia proposto Alcolumbre. Explicou que será criada uma equipe técnica específica para o licenciamento desses projetos. E frisou que o prazo de um ano não significa a aprovação dos projetos, mas sim uma data limite para a manifestação do IBAMA, inclusive contrariamente à emissão da licença.

Só que o exemplo concreto e atual do licenciamento do bloco FZA-M-59 da Petrobras na Foz do Amazonas coloca em xeque a expectativa de respeito a uma eventual negativa do órgão ambiental. Mesmo sem LAE, a intensa pressão política da petrolífera, dos ministérios de Minas e Energia (MME) e Casa Civil – e até mesmo do presidente Lula – sobre o IBAMA atropelou a avaliação técnica. Foram três recomendações pela não autorização da perfuração, uma delas indicando encerrar o processo de licenciamento. Recomendações que acabaram por ser ignoradas.

A presidente da Petrobras, Magda Chambriard, adora acusar o IBAMA de morosidade. Em seu afã para explorar petróleo no Brasil “até a última gota”, a executiva praticamente acusa o órgão ambiental de “sentar em cima” da licença para o bloco 59 desde 2014, quando a BP, então sócia da estatal brasileira na área, deu entrada no licenciamento. Com isso, Magda engrossa o coro dos que dizem que o órgão ambiental “atrasa o desenvolvimento do Brasil”, como muitos deputados e senadores favoráveis ao PL da Devastação bradam.

O que Magda não conta, e foi muito bem lembrado pela jornalista Cristina Serra no ICL Notícias ao analisar os vetos de Lula, é que as petrolíferas – tanto as estrangeiras como as nacionais, como a Petrobras – costumam apresentar ao IBAMA estudos ruins nos processos de licenciamento. Com informações inconsistentes, cabe ao órgão ambiental exigir dados condizentes. É a lei. Ou pelo menos era até a LAE – que, vale lembrar, já está em vigor..

Magda era a diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) quando o bloco 59 foi leiloado e arrematado, em 2013. Por isso, deveria lembrar que um ano antes, em 2012, os ministérios do Meio Ambiente (MMA) e de Minas e Energia lançaram uma portaria conjunta estabelecendo a elaboração de Avaliações Ambientais de Área Sedimentar (AAAS). 

As AAAS deveriam ser feitas para todas as bacias sedimentares do país com indícios de combustíveis fósseis, como a Foz do Amazonas, apontando [ou não] a viabilidade ambiental da exploração de petróleo e gás nessas regiões. Mas quase nada andou. Já a venda de áreas exploratórias continuou. E com isso, a ausência de dados precisos que pudessem agilizar o licenciamento pleiteado pelas petrolíferas.

Segundo especialistas, a elaboração de uma AAAS leva dois anos, em média. Ou seja, se em abril de 2023, quando o IBAMA negou pela primeira vez a licença do bloco 59, tais estudos tivessem sido iniciados, no início deste ano todas as informações para dar base técnica à decisão do órgão ambiental estariam disponíveis. Mas, em vez disso, optou-se por falas vazias culpando o IBAMA pela falha do próprio governo. E muita pressão política.

Com a LAE, a esperança de um mapeamento profundo sobre os impactos ambientais da atividade petrolífera escoa pelo ralo. Em seu lugar virão discursos políticos inflamados, acusatórios e falaciosos opondo meio ambiente e clima a desenvolvimento. E uma “boiada” passando sobre o licenciamento ambiental não só de projetos de combustíveis fósseis, mas também de alto impacto ambiental, como o asfaltamento da rodovia BR-319. Risco que será ainda maior se o governo da ocasião for dado ao negacionismo, como no período entre 2019 e 2022. 

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