
A maior floresta tropical do planeta nunca foi tão popular. No Brasil e no exterior, a preocupação pela preservação da Amazônia praticamente virou um consenso, com parcelas substanciais do público favoráveis à floresta em pé. No entanto, dados sobre desmatamento, queimadas e violência mostram que a Amazônia continua sendo um bioma ameaçado em várias frentes.
Como o Valor assinalou, a disseminação do fogo na Amazônia é um dos grandes problemas. Somente em 2024 foram registrados mais de 140 mil focos de calor no bioma, o maior número desde 2007, representando mais da metade dos registros de fogo em todo o Brasil no ano passado. Em 2025, o clima favoreceu a contenção do fogo, mas o quadro ainda é delicado.
O desmatamento continua também sendo um desafio, observou a Folha. Os alertas de supressão vegetal voltaram a subir no último ano, entre agosto de 2024 e julho passado, com alta de 4% em relação aos 12 meses anteriores, atingindo uma área de 4.495 km2, segundo o sistema DETER/INPE. Especialistas ouvidos pelo Valor apontaram o impacto dos incêndios do ano passado, que facilitou a derrubada de floresta nesse período.
Os incêndios foram apenas uma das facetas da crise ambiental na Amazônia no ano passado. A forte seca, que contribuiu para a disseminação do fogo em 2024, está deixando de ser um evento extraordinário e se tornando algo corriqueiro. Ao mesmo tempo, fortes chuvas e cheias também estão mais frequentes, o que impõe uma rotina de eventos extremos sucessivos aos amazônidas.
“Com base na ciência, existe a comprovação de uma acentuação dos eventos extremos e inundações nas últimas décadas. Essa intensificação do ciclo hidrológico não é uniforme ao interior da bacia amazônica, existem regiões com mais chuvas e outras com menos”, explicou Alex Ovando, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), ao Valor.
Ao mesmo tempo, o avanço das fronteiras do agronegócio e de empreendimentos com grande impacto ambiental seguem impondo um modelo de desenvolvimento baseado na extração e na exploração desmedida dos recursos da floresta.
Cicatrizes de projetos antigos seguem assombrando os amazônidas, como é o caso da rodovia Transamazônica, construída pela ditadura militar e inacabada até hoje. Segundo o Valor, a estrada continua dividindo a população, com produtores rurais e empresários defendendo sua modernização, e Comunidades Tradicionais e ambientalistas ressaltando os riscos para a conservação da floresta.
No Estadão, Fausto Macedo fez uma reflexão sobre diversos empreendimentos que romperam violentamente com o modo de vida da população amazônida ao longo dos anos, como a usina de Belo Monte. “Esse resultado lesivo pode ser evitado hoje por meio do cumprimento do dever jurídico de realizar a consulta prévia, livre, informada e de boa-fé, prevista na Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], ratificada pelo Brasil em 2003”, explicou.
Não acidentalmente, essa mesma convenção está sendo atacada por políticos e grupos empresariais que defendem a ocupação do que a ditadura militar chamava de “inferno verde”. “É assustadora a denúncia de lideranças indígenas em abril na Câmara dos Deputados: mais de 230 territórios estão sob risco direto ou indireto de projetos energéticos, incluindo exploração de petróleo na Foz do Amazonas, sem qualquer consulta prévia”, disse Macedo.
“Todos os projetos nacionais implantados ou que tentaram implantar na nossa região foram de exploração econômica e nenhum de desenvolvimento social e valorização cultural”, lembrou o sociólogo Lúcio Carril no BNC Amazonas. A diversidade étnica e populacional da região reproduz conhecimentos seculares que devem ser priorizados quando empreendimentos se propõem a estar na Amazônia.
A tentativa ruralista de atropelo da Convenção 169 da OIT reflete o contexto de ataques sistemáticos aos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais em todo o Brasil, especialmente na Amazônia. Como lembrou Alana Manchineri, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), os territórios indígenas são barreiras contra o desmatamento e a exploração desenfreada da floresta. “[Por isso], exigimos que seja reconhecida e valorizada a nossa contribuição climática, incluindo a garantia dos direitos territoriais e a proteção contra invasões”, disse em sessão solene na Câmara dos Deputados na última 5a feira (4/9).
Defender a Amazônia e seus Povos ainda é uma atividade perigosa no Brasil.
“Os defensores são um bando de malucos e malucas. Mas são malucos e malucas do bem, que se doam para que o mundo inteiro possa ter uma floresta que garanta que tu vai respirar bem, que tu vai ter um clima bom, que a tua agricultura vai funcionar”, argumentou Neidinha Suruí, indigenista e ambientalista que vive sob proteção federal por conta de ameaças contra a sua vida, ao Brasil de Fato.



