A Petrobras numa transição energética justa de verdade

Observatório do Clima propõe alternativas financeiramente viáveis para que a Petrobras se transforme, enfim, numa empresa de energia.
17 de setembro de 2025
  • Alexandre Gaspari, jornalista no Climainfo.
Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima/ Créditos: Lucas Landau/Observatório do Clima.

“Precisamos construir uma nova Petrobras, transformar a Petrobras em uma Petrobras que precisamos. Não é um ataque à empresa. Precisamos melhorar, aprender com os erros do passado.”

A fala de Luene Karipuna, coordenadora executiva da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (APOIANP), é um resumo breve e preciso do documento “A Petrobras de que precisamos”, lançado pelo Observatório do Clima na 3ª feira (16/9), no Rio de Janeiro. Diante da emergência climática e da urgência em se eliminar os combustíveis fósseis, cuja queima representa 75% das emissões de gases de efeito estufa, o levantamento propõe caminhos para a Petrobras garantir tanto sua sobrevivência econômico-financeira como a nossa sobrevivência no planeta.

O grande diferencial do posicionamento do Observatório do Clima é mostrar, com dados, as várias alternativas que a Petrobras tem à disposição para deixar de ser uma petrolífera e se transformar numa empresa de energia. Não é um ataque à estatal, reconhecida como um orgulho nacional, uma empresa-chave para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Pelo contrário: o OC faz um convite ao comando da petrolífera – e também ao governo brasileiro – para atualizar suas estratégias energéticas, deixando um “desenvolvimentismo do século passado” para trás e incorporando a variável climática como um elemento-chave na promoção de um desenvolvimento sustentável e sobretudo sustentado.

“Não se trata de exigir que a Petrobras busque ativamente diminuir a demanda nacional e global por combustíveis fósseis. Isso depende de leis, regulações e políticas públicas nacionais e internacionais que expressem a vontade política – ainda insuficiente – de levar a cabo uma transição energética efetiva. Tampouco se trata de esperar que a empresa abandone a produção de petróleo no curtíssimo prazo, redirecionando seu portfólio de investimentos para as energias renováveis da noite para o dia. O problema é que a estratégia de futuro da Petrobras vem se mostrando descolada dos compromissos

globais [climáticos] já assumidos [pelo governo brasileiro], dos próprios objetivos do Brasil em reduzir suas emissões e da previsão de pico da demanda global por petróleo para 2030, com queda posterior, feita pela Agência Internacional da Energia”, destaca a pesquisa.

O OC se baseou num outro estudo, feito pelos professores Carlos Eduardo Young e Helder Queiroz, do Instituto de Economia (IE) da UFRJ, sobre os desafios e as alternativas para a descarbonização do portfólio de investimentos da Petrobras. Assim, mostra que a decisão da empresa de investir em novas refinarias é ruim tanto para o clima, por jogar mais derivados de petróleo no mercado, como para sua saúde financeira. É um investimento alto e de maturação de longo prazo, que se tornará um ativo encalhado e fonte de prejuízo com o cenário de queda da demanda por gasolina, óleo diesel e outros derivados.

Outro risco de ativo encalhado apontado pela análise do OC é a abertura de novas fronteiras para explorar petróleo e gás, também pela projeção de queda da demanda por combustíveis fósseis. Colocar bilhões de dólares em novos poços na Foz do Amazonas e em outras bacias da Margem Equatorial, bem como em Pelotas, é literalmente “enterrar” recursos no fundo do mar. Dinheiro que fará falta no caixa da empresa para investir em soluções renováveis, tais quais os biocombustíveis já estabelecidos, como etanol e biodiesel – sem impactar comunidades ou desmatar florestas – e as novidades tecnológicas que ganharão escala com o tempo, como o combustível sustentável de aviação (SAF), o diesel verde (HVO) e o hidrogênio verde (H2V).

Outro caminho proposto pelo OC para a Petrobras “virar a chave” para uma empresa de energia é seu retorno ao segmento de distribuição, a “ponta” do sistema que atende diretamente o consumidor. Mas, seja pela recompra da BR Distribuidora, vendida no governo Bolsonaro, seja criando uma nova empresa na área, a Petrobras deve ter foco na disseminação de eletropostos pelo Brasil, diante da perspectiva de crescimento exponencial da frota de veículos elétricos no país.

O estudo reconhece que o governo brasileiro precisa fazer seu “dever de casa”, criando condições legais e regulatórias para a Petrobras liderar de fato uma transição energética justa e verdadeira, com a substituição dos combustíveis fósseis por fontes renováveis e combustíveis de baixo carbono, respeito ao meio ambiente e às comunidades e requalificação de trabalhadoras e trabalhadores da empresa. Nesse sentido, é urgente a criação do Plano Nacional de Transição Energética (PLANTE), que, sob responsabilidade do Ministério de Minas e Energia (MME), sequer existe no papel.

A iniciativa do OC, portanto, não se limita a dizer “não pode”, mas principalmente em dizer o que fazer para que a Petrobras continue liderando os esforços de garantir a soberania energética brasileira. Soberania esta que não se garante mais em poços de petróleo e gás fóssil, mas em uma carteira de soluções renováveis, aproveitando todas as potencialidades naturais do Brasil. 

É esta a Petrobras de que precisamos – e queremos. Para impulsionar o desenvolvimento econômico e social do país, como historicamente fez. Para garantir a perenidade econômico-financeira da própria estatal, que é um orgulho nacional e deve continuar sendo uma empresa pública. Mas principalmente para liderar uma transição energética justa de verdade, que não deixe ninguém para trás e ouça todas as vozes, como a de Luene Karipuna. 

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