
Mais um incêndio na COP30. Nada a ver com as chamas que queimaram uma área da Zona Azul e interromperam as atividades na 5ª feira. Desta vez, o fogo “pegou” onde sempre arde em conferências do clima: nas negociações para a elaboração dos textos finais. Depois de rascunhos que não agradaram a ninguém e reuniões a portas fechadas, o impasse continuou, empurrando a conclusão da conferência de Belém por mais um dia – pelo menos.
A situação era tão incerta no fim da noite de ontem que havia a expectativa de que uma plenária ocorreria no início da madrugada deste sábado (22/11). Ou no meio da madrugada. Ou de manhã cedo. Talvez já tenha acontecido quando você estiver lendo esta nota. Ou não.
Tudo começou na madrugada de 6ª feira (21/11), quando a presidência da COP30 divulgou um conjunto de textos da “Decisão do Mutirão”. O mapa do caminho para o fim dos combustíveis fósseis, pauta lançada pelo presidente Lula na Cúpula de Líderes e capitaneada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, não estava nas páginas, contam CNN Brasil, France 24, Hindustan Times e UOL. Muito menos o roteiro para os países atingirem desmatamento zero até 2030, também proposto por Lula para líderes mundiais.
Aliás, nenhum dos textos continha qualquer menção a petróleo, gás fóssil e carvão – mostrando que a pressão liderada pela Arábia Saudita tinha surtido efeito. Mas a ausência motivou um grupo de 30 países, incluindo nações da União Europeia, a protestarem e exigirem que a COP30 tratasse do mapa do caminho dos fósseis, relatam RFI e Terra. A ministra do Meio Ambiente da Colômbia, Irene Vélez-Torres, afirmou que os países que não abririam mão dessa demanda, segundo a Folha.
“Não vamos aceitar um texto que não atenda ao objetivo de [limitar o aquecimento global a] 1,5°C. E acreditamos que a eliminação gradual dos combustíveis fósseis é absolutamente necessária para atingir esse objetivo”, disse Irene, que anunciou a realização de uma conferência na Colômbia em abril de 2026 para tratar do fim dos combustíveis fósseis [leia aqui].
O desaparecimento da transição para além dos combustíveis fósseis foi considerado uma “traição” pelo Pavilhão Científico da COP30 – o primeiro espaço protagonizado por cientistas em uma conferência do clima. Em uma declaração divulgada na manhã de 6ª feira, o grupo qualificou o teor dos documentos como “totalmente incoerente com os objetivos reafirmados de limitar o aquecimento a 1,5°C”, destacam Observatório do Clima, Valor, CNN Brasil, O Globo, Exame, R7, Rede Onda Digital, CBN e Um só planeta.
“Apesar de um grande número de países se unirem em torno de roteiros para acabar com a dependência de combustíveis fósseis e com o desmatamento – e do impulso dado pelo presidente do Brasil – as palavras ‘combustíveis fósseis’ estão completamente ausentes do texto mais recente. Isso é uma traição à ciência e às pessoas, especialmente aos mais vulneráveis”, disse o comunicado.
Quanto aos temas “originais” da pauta, o rascunho da madrugada trazia uma citação vaga sobre o aumento dos recursos para adaptação climática, segundo a Folha. O texto pedia “esforços para triplicar o financiamento para adaptação em comparação aos níveis de 2025 até 2030″, mas não expressava claramente uma quantia nem o papel dos governos em mobilizar esses repasses.
Na avaliação de Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, o rascunho criava uma série de “salas de espera” para os temas mais importantes da conferência: transição justa, financiamento e adaptação, de acordo com a Exame. Mas o pacote de textos trazia avanços na Meta Global de Adaptação (GGA).
A União Europeia expressou publicamente seu desapontamento com as propostas, segundo Valor e Carta Capital. “Sob nenhuma circunstância vamos aceitar isso”, afirmou Wopke Hoekstra, comissário para o clima do bloco. “Inaceitável”, reforçou o ministro do Clima da Dinamarca, Lars Aagaard, que lidera as negociações em nome dos europeus.Embora concorde que os textos decepcionaram, Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima, explicou a revolta europeia. Com o bloco sendo cobrado a “pagar sua parte” do financiamento para adaptação – sem falar nos US$ 300 bilhões acordados na COP29, em Baku -, a estratégia europeia de “se fazer de morta” nos primeiros dias da COP30 virou para uma posição de ataque no fim das negociações. Inclusive em relação aos combustíveis fósseis. Que o bloco transformou em “bode na sala” para, no frigir dos ovos, ser retirado e levar junto a cobrança por dinheiro dos países europeus.
Em tempo: Em Johanesburgo, na África do Sul, para a Cúpula de Líderes do G20, o presidente Lula deve levar ao grupo a proposta do mapa do caminho para eliminar os combustíveis fósseis que sugeriu antes da COP30, informam Guardian e Opera Mundi. “Lula me disse que estava totalmente comprometido com o roteiro e que faria campanha por ele em todos os lugares, no G7 e no G20 ”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “É a proposta dele. Ele está preocupado com aqueles que são ameaçados por eventos climáticos extremos. É isso que o motiva. Ele entende que a crise climática é uma máquina que agrava a pobreza e a desigualdade”, completou.



