
As conferências do clima da ONU, como a COP30, podem já não ser o fórum mais eficiente na tomada de decisões contra as mudanças climáticas. A avaliação é da relatora especial das Nações Unidas para Mudanças Climáticas e Direitos Humanos, Elisa Morgera, e reforça análises de diversos agentes, como a diretora executiva do evento em Belém, Ana Toni [leia aqui], e o físico Paulo Artaxo, um dos líderes do inédito pavilhão científico na conferência deste ano.
Elisa diz ter “sérias dúvidas” sobre o quanto as decisões tomadas na conferência são baseadas “na melhor ciência disponível e nas experiências das pessoas que são as mais afetadas pela crise do clima” e o quão influenciadas são pelo lobby da indústria do petróleo e por desinformação sobre os temas em debate. “Tem aumentado a preocupação geral sobre a forte presença de lobistas da indústria de combustíveis fósseis. Em alguns casos, eles superam em número os representantes dos países mais afetados pelas mudanças climáticas”, afirma a italiana à Folha.
Uma análise da Kick Big Polluters Out (KBPO) mostrou que mais de 1,6 mil lobistas dos combustíveis fósseis conseguiram se credenciar para a conferência. Um deles era o presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás (IBP), Roberto Ardenghy. Questionado, Ardenghy teve a audácia de dizer que “todo mundo é lobista” numa COP, “até os governos estão aqui defendendo seus interesses”.
A relatora da ONU também criticou a recente aprovação do governo brasileiro para a Petrobras perfurar um poço para explorar petróleo e gás no bloco FZA-M-59, na Foz do Amazonas, informa a Repórter Brasil. “Nenhum país deveria permitir a expansão de combustíveis fósseis em áreas ecologicamente sensíveis”, afirmou. “É uma contradição óbvia e profunda.” Contradição reforçada pela manutenção pelo governo brasileiro de um “jabuti” [matéria estranha ao tema] incluído na MP do setor elétrico que estendeu a geração elétrica de usinas a carvão até 2040.
Em seu relatório mais recente, Elisa detalhou os impactos dos combustíveis fósseis sobre o clima e os Direitos Humanos, “incluindo o direito à vida, à autodeterminação, à saúde, à alimentação, à água, à moradia, à educação, ao trabalho e à cultura”. “Esses projetos, especialmente na Amazônia, já representam por si sós um retrocesso em Direitos Humanos, e isso não é aceitável”, reforçou.
Segundo a especialista, populações mais afetadas pelas mudanças climáticas, em especial aquelas que vivem na natureza e dela dependem, deveriam ser as mais ouvidas pelos negociadores. E uma conferência do clima na Floresta Amazônica, como a COP30, deveria acender um sinal de alerta para o mundo.
“Ter uma COP na Amazônia significa que toda a comunidade internacional está perto de uma área próxima de um ponto de não retorno, com consequências de proporções planetárias”, reforçou.



