Do baixo carbono para o carbono negativo

Emissões negativas: a aplicabilidade prática desse conceito tem sido discutida depois da publicação do Quinto Relatório de Avaliação do IPCC, com criticas concentradas principalmente no fato de que as tecnologias de remoção de carbono ainda são incipientes. Apesar disso, na opinião de Glen Peters e Oliver Geden elas são inevitáveis. Em um artigo publicado na Nature, eles afirmam que as reduções de emissão de mais de 100% serão necessárias se realmente quisermos atingir os objetivos do Acordo de Paris de manter o aquecimento médio da superfície da Terra em 2° C, envidando todos os esforços para que ele fique abaixo de 1,5 ° C.

 

Os autores destacam que a simples meta, também estabelecida em Paris, de alcançar um equilíbrio entre fontes de emissão e sumidouros na segunda metade do século exige a remoção do dióxido de carbono da atmosfera para contrabalançar as emissões residuais em setores difíceis de atenuar, como sub-setores da indústria e de transporte, bem como o metano da agricultura. Como já emitimos muito, a remoção do CO2 também se faz necessária para compensar algumas emissões de carbono anteriores ou em curso. De acordo com modelos integrados de avaliação, essa remoção deveria começar em 2020, atingir 10-20 GtCO2 por ano em 2100 (25-50% das emissões anuais atuais) e remover cumulativamente 400-800 GtCO2 até 2100 – uma quantidade comparável ao orçamento de carbono restante.

 

Porém as implicações políticas da remoção do carbono em larga escala permaneceram em grande parte fora do debate, segundo os autores. Na elaboração de políticas, os esforços de mitigação são frequentemente referenciados às reduções percentuais de um determinado ano base. A linha zero (líquida) ou a redução de emissões em 100% tem sido o ponto de referência conceitual. Então quais países vão começar a remoção de carbono primeiro? Quais países farão a maior parte da captura do carbono? Como as negociações climáticas da ONU são geralmente baseadas no princípio de “responsabilidades comuns mas diferenciadas” (CBDR), pode-se esperar que os países industrializados consigam reduzir 100% de suas emissões em 100% antes das economias emergentes e países em desenvolvimento. Os países emergentes e em desenvolvimento provavelmente exigirão que os países industrializados invistam mais nessa remoção, enquanto que eles próprios podem até não reduzir suas próprias emissões para zero, perpetuando o CBDR.

 

Para avaliar os potenciais conflitos políticos, eles compararam o resultado de quatro modelos integrados de avaliação econômicos. A China, os EUA, a UE e a Índia assumem a liderança na aceleração em BECCS até 2050, com valores cumulativos de 5-10 GtCO2 até 2050 (resultados médios: China, 10 GtCO2, EUA e UE, 7.5 GtCO2 e Índia, 6ºGtCO2). Estes países também fornecem as maiores contribuições acumuladas ao longo do século XXI (resultados médios: China, 80 GtCO2, EUA, 60GtCO2, Índia e UE, 50GtCO2, Brasil, 40 GtCO2 e Rússia, 30 GtCO2), mas ainda representam menos que metade do CDR cumulativo global total.

 

Os autores destacam que embora a maior atenção tenha sido dada à bioenergia combinada com captura e armazenamento de carbono (BECCS) – uma tecnologia que produz energia e remove carbono e que é a tecnologia dominante na maioria dos modelos integrados de avaliação – nenhum país mencionou BECCS em suas Contribuições a Nível Nacional, nem mesmo a dúzia de países que mencionam a captura e armazenamento de carbono como ingrediente-chave de sua receita.

 

Ainda segundo os autores, a maioria, se não todas, as discussões sobre remoção do carbono se deram no nível global. Para os Peters e Geden, isso é uma abstração inútil, uma vez que ela deve ser realizada por atores individuais.

Para ler o artigo da Nature, acesse https://www.nature.com/articles/nclimate3369.epdf