COP27 e mulheres: minúsculos avanços cheios de “mas, entretanto e porém”

COP27 mulheres
UNFCC COP27 Fllickr

Por Tatiane Matheus*

Durante a COP27, houve avanços em trazer a perspectiva das mulheres aos debates e negociações conduzidos no balneário egípcio de Sharm El-Sheikh?  Olhe para a foto oficial de abertura do evento com os chefes das delegações oficiais. Onde estão as mulheres?  A tarefa de buscá-las entre tantos homens é parecida com a de encontrar o personagem dos livros infanto-juvenis Wally. São menos de 34% delas nas delegações deste ano, de acordo com a BBC. Frise-se: nas delegações. Não estamos falando dos tomadores de decisão.  

Relatório da WEDO (Women’s Environment & Development Organization) constatou que as mulheres eram 10% dos chefes de delegação em 2009, alcançaram um máximo de apenas 26% em 2017 e retrocederam para 13% na COP passada. Ou seja, não se trata apenas de um avanço a passos muito lentos, mas de andar como um caranguejo, para os lados. A percentagem de mulheres em todas as delegações nacionais aumentou de 30% para reuniões em 2009 para 38% em 2021, ainda de acordo com WEDO. Neste ritmo, a paridade de gênero rapidamente (contém ironia) será alcançada até 2040.

Ora, se não há representatividade, ao menos houve um dia voltado às questões de gênero, não? Sim, mas as partes demonstraram despreparo e até descaso em comparação aos demais assuntos durante o dia de gênero, realizado no último dia 14, segundo a cientista ambiental e membro do grupo de trabalho de gênero e clima do Observatório do Clima, Lígia Amoroso. Porém, para ela, o painel da UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change) com o IPCC  (Intergovernmental Panel on Climate Change) apresentando conclusões do último relatório foi emblemático.  “O IPCC traz uma sustentação científica, pautada em evidências de como as mudanças climáticas afetam mais as mulheres com suas intersecções, como classe e raça”, explicou Lígia.

A WGC (Women & Gender Constituency) também fez uma análise desse dia voltado às mulheres e divulgou que “a igualdade de gênero não é um espetáculo à parte, nem um dia temático, nem uma oportunidade de sediar um evento em seu pavilhão. É preciso que as Partes intensifiquem e tornem esse processo sobre resultados para atender mulheres e meninas em toda a sua diversidade na linha de frente dos impactos climáticos e na vanguarda das soluções climáticas”. 

Mesmo sem representatividade e com um dia de gênero decepcionante para quem tinha expectativas que essa seria a COP da justiça climática, será que houve avanços em relação ao GAP (Gender Action Plan)? Esse plano de ação foi estabelecido durante a COP25, em Lima, no Peru, e é um programa de trabalho sobre gênero para ser realizado em cinco anos. Ele estabelece  objetivos e atividades em cinco áreas prioritárias da ação climática  para incluir as questões de gênero e também que sua integração seja coerente na UNFCCC, no trabalho das Partes, no do secretariado, nas entidades das Nações Unidas e em todas as partes interessadas em todos os níveis.  Neste ano, seria a revisão de meio-período do GAP, iniciado em 2020 — quando foram debatidos os avanços dentro do Corpo Subsidiário de Implementação  (SBI, na sigla em inglês de Subsidiary Body for Implementation). Para chegar aos objetivos no prazo estabelecido será preciso apertar o passo, pois tudo ainda avança de forma bem lenta e com muitas lacunas.

A WGC declarou que reconhece a decisão de incluir um meio-ambiente  limpo e saudável como um dos Direitos Humanos e a criação do fundo de Perdas e Danos como avanços, mas expôs sua frustração com o processo e o resultado quando o tema é gênero. Para a fundadora do LACLIMA (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action) e gerente do Centro Brasil no Clima, Flávia Bellaguarda, o GAP trouxe a inovação de que, dentro da UNFCCC, a equidade entre homens e mulheres  precisava ser mais incorporada, porém, por mais que a instituição demonstre que quer que isso aconteça, “falta pressão” para ser algo efetivo. Dos poucos avanços, um deles foi inserir na pauta a diversidade existente entre as mulheres (com suas diferentes etnias, orientações sexuais, classes, religiões, idades, entre outras interseccionalidades) no texto. “Temos claras evidências que países onde mulheres têm mais voz política, a emissão de carbono tende a ser mais baixa.  Ainda assim, temos uma dificuldade imensa para fazer a paridade de gênero acontecer”, analisou Flávia. Por mais que seja um ponto positivo haver um processo no comitê permanente de finanças para que recebam propostas para viabilizar recursos junto aos mecanismos financeiros da convenção para gênero até a COP29, ainda não existe nada concreto.

“Estão avançando os debates de gênero. Mas, não se fala de juventude, nem de raça. Está aumentando o espaço de mulheres indígenas no espaço da COP, sim.  Só que ainda falta vê-las nas políticas climáticas. O plano de gênero da ONU Clima nem cita raça.  Falta o olhar intergeracional e interseccional”, ponderou a fundadora  e diretora do EmpoderaClima, Renata Koch Alvarenga.  Por sua vez, o Children First Climate Movement congratulou os países na COP27 pelo reconhecimento das crianças como agentes de mudanças que devem ser incluídos na concepção e implementação de políticas e ações relacionadas com o clima, entretanto, se não continuar a conter as fontes fósseis — que geraram a emergência climática — o direito ao bem-estar das crianças estará sob risco. 

Pelo olhar das mulheres, esta COP foi de pequenos avanços seguidos de muitos “mas, entretantos e poréns”. Englobar gênero e raça, com suas interseccionalidades é mais que necessário, deveria ser considerado obrigatório já que estes são os mais impactados e também porque, sim, a preservação ambiental é sobre Direitos Humanos. Os mais fragilizados também já têm muitas soluções e deveriam fazer parte delas. 

Como na franquia dos livros do personagem viajante Wally, dado o atual ritmo de inclusão, será possível ter várias edições: onde estão os negros? Onde estão os indígenas? Onde está a comunidade LGBTQI+? Onde está a juventude? Onde estão as pessoas com necessidades especiais? Onde está a diversidade das pessoas reais impactadas pela emergência climática?

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(*) Tatiane Matheus é jornalista e pesquisadora em Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão no Instituto ClimaInfo

 

ClimaInfo, 29 de novembro de 2022.

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