O programa nuclear brasileiro ganha musculatura

O ministro-almirante de minas e energia continua sua pregação pela conclusão da usina de Angra 3 e indica que gostaria de iniciar a construção de mais usinas. O sonho nuclear continua a agitar as mentes militares que entendem que a energia nuclear é “estratégica” para o país, um sonho que levou à assinatura de um acordo com a Alemanha que, entre outras, prometia transferência de tecnologia. Do tal acordo, sobrou uma usina funcionando e uma usina-piloto de enriquecimento de urânio que, para ser viável, precisa da demanda de mais usinas. A energia de Angra 3 sairá mais cara do que a de qualquer outra fonte, o que é justificado pela tal “importância estratégica”.

Em tempo 1: muita gente desavisada diz por aí que a energia nuclear não emite gases de efeito estufa. Uma matéria publicada no Le Monde fala dos custos da energia nuclear na França. A geração nuclear, por lá, responde por mais de 70% da matriz elétrica e, mesmo assim, segue sendo a fonte mais cara. O jornal publicou os resultados de um estudo que analisa as emissões de carbono embutidas na eletricidade nuclear. Infelizmente, não citou as fontes, nem descreveu a metodologia do trabalho. Em todo caso, o Le Monde diz que não são nulas as emissões embutidas em construção, operação, enriquecimento do combustível e descomissionamento das usinas no final de suas vidas úteis. As emissões do ciclo de vida das hidrelétricas francesas são 30% menores e as das eólicas são 66% menores do que as de usinas nucleares. Mesmo transpondo esses valores para a realidade brasileira, as emissões associadas à energia nuclear estão longe de serem nulas, como repete sem parar o ministro-almirante.

Em tempo 2: Trump e Putin, com diferença de horas, retiraram seus países do Tratado para a redução do arsenal nuclear mundial assinado por Reagan e Gorbatchov em 1987. As renovadas ameaças de corrida armamentista nuclear parecem estar apontadas mais para a China do que entre as duas potências. Recentemente, a Rússia assinou contratos com a Argentina no campo nuclear, por meio de sua estatal Rosatom. No ano passado, a Rosatom era tida como uma parceira em potencial para a conclusão de Angra 3.

Em tempo 3: No tabuleiro da geopolítica nuclear, tanto o Brasil quanto nossa vizinha Argentina continuam a ser meros peões. Mesmo assim, o jornal argentino El Clarín, escreve em editorial que “a realidade política brasileira é a de uma militarização visível do programa nuclear – originalmente dedicado a fins civis – pelas mãos quase hegemônicas da Marinha do Brasil. Isso tem levantado suspeitas na Argentina, ainda mais quando o almirante [Bento Costa Lima Leite] encarregado do projeto de construção de um submarino nuclear, que foi apresentado em dezembro passado, foi nomeado ministro da Energia do governo de Jair Bolsonaro. Tudo foi visto como um sinal político em Buenos Aires”.

 

Boletim ClimaInfo, 4 de fevereiro de 2019.