Governo parece querer retomar estratégia da ditadura para ocupar a Amazônia
Matéria do Estadão de ontem fala dos planos do governo Bolsonaro para ocupar a Amazônia que incluem uma ponte sobre o Rio Amazonas, uma hidrelétrica perto da foz do Rio Trombetas e a extensão da BR-163 até a fronteira com o Suriname, estrada que, hoje, liga o norte do Mato Grosso a Santarém. Quem conhece um pouco da região não conseguiu entender a lógica que leva a propor a construção de uma ponte sobre um dos trechos mais profundos do Rio Amazonas. Ainda mais porque esta ligaria a cidade de Óbidos, que fica a quase 100 km a oeste de Santarém, numa região alagadiça nas duas margens. Ou seja, a ponte teria que cruzar o rio e se estender por uma região difícil ao longo de toda esta distância. Dali, a estrada subiria mais de 500 km até chegar na fronteira, sem nada no meio a não ser terras indígenas e floresta.
Três ministros visitariam hoje a região para falar do projeto, mas a viagem foi cancelada no final da tarde de ontem. Entre os três não havia ninguém da infraestrutura. A viagem estava prevista para os ministros do meio ambiente, Ricardo Salles; da mulher, família e direitos humanos, Damares Alves; e Gustavo Bebianno, da secretaria-geral da presidência. Seria a primeira viagem da vida de Salles à Amazônia. O governo não explicou o porquê do cancelamento.
Pelas declarações dos generais, o plano lembra o projeto Calha Norte, que fez parte da estratégia “Integrar para não Entregar” da ditadura militar para a Amazônia. A referência ao Triplo A, feita pelo presidente durante a campanha, parece estar sendo levada a sério.
Agora, pensemos um pouquinho: colocar dinheiro público num projeto deste porte violaria todos os mandamentos da cartilha liberal do ministro Guedes. E, dado que o objetivo estratégico é a garantia da soberania nacional, investidores externos não seriam vistos com bons olhos. De onde viria o dinheiro para tão extravagantes ideias?
E Salles foi ao Roda Viva da TV Cultura
Uma das entrevistadoras, Vera Magalhães, do BR18, escreveu que, nas suas respostas, “Salles não foi contundente em defender punições à Vale pelas mais de 300 mortes em Brumadinho. Continua a defender autolicenciamento ou licenciamento mais célere para projetos de “baixo impacto” ambiental – e, apesar de dizer que esta é uma classificação objetiva, não soube dizer exatamente quais projetos entrariam nessa categoria (…) Enquanto condenava a forma ideológica com que os governos do PT tratavam a pauta ambiental, fez considerações eivadas de viés ideológico oposto.”
O pessoal da Fórum deu destaque ao desconhecimento da Amazônia admitido por Salles; sobre o desastre da Vale, escreveram que “pressionado a oferecer respostas em respeito às vítimas de Mariana e Brumadinho, Salles minimizou e afirmou que a resposta está sendo dada através da presença de autoridades nos locais das tragédias. ‘O respeito às vítimas é essa resposta rápida, objetiva, a presença do governo em peso. Três ministros estiveram lá no primeiro dia. O próprio presidente foi ao local’, disse, sem apresentar atitudes concretas para punir a empresa, indenizar as vítimas e evitar novos acidentes.”
Se Salles manteve uma certa compostura durante o programa, no final o caldo desandou. O âncora, Ricardo Lessa, fez uma pergunta sobre Chico Mendes. Salles disse quase não saber nada sobre ele e emendou: “O fato é que é irrelevante. Que diferença faz quem é o Chico Mendes nesse momento?” André Trigueiro não perdoou a resposta e emendou “Nunca foi à Amazônia (…) Também não soube citar um livro sobre meio ambiente que o tenha inspirado.” Tamanhas gafes fizeram de Salles celebridade internacional.
Em tempo: já que Salles foi incapaz de citar um livro sequer da sua área que tenha lido, o Observatório do Clima compilou as sugestões de internautas para ele já ir se instruindo. Na nossa modesta opinião faltam alguns títulos muito importantes, entre eles o Espiral da Morte, do jornalista Claudio Angelo, que recebeu o prêmio Jabuti em 2017.
Passando a lupa sobre declarações do ministro Salles
Clara Becker e Maurício Moraes, da Agência Lupa, analisaram seis declarações feitas pelo ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, nas últimas semanas: duas frases falsas, uma verdadeira e três um tanto exageradas. Salles disse que o Brasil era o maior exportador de produtos agropecuários, quando o maior são os EUA. Sobre o acidente da Vale, ele disse que o Ibama aplicou multas no valor de R$ 250 milhões – o que é verdadeiro – mas emendou que esse era o teto que a legislação ambiental permite aplicar, quando não há teto algum previsto em lei. Ele exagerou ao dar a entender que as multas que o Ibama aplicou na Samarco tinham sido menores, quando foram quase o dobro. Ele exagerou ao aumentar a participação das emissões brasileiras de gases de efeito estufa na contabilidade global. E exagerou bastante quando se referiu à participação das emissões norte-americanas no balanço geral.
Ministério público pede para parar o preenchimento do reservatório da hidrelétrica de Sinop
Na semana passada demos uma nota sobre a mortandade de peixes no lago da hidrelétrica de Sinop que tinha recebido a licença para começar seu preenchimento. O Ministério Público entrou com uma ação para parar tudo, inclusive o Sistema de Transposição de Peixes da Usina Hidrelétrica de Colíder, 80 km rio abaixo. O problema é que a construtora não retirou todas as árvores do lago de Sinop antes de começar a encher o lago. Aparentemente, a vegetação começou a apodrecer, consumindo o oxigênio da água e matando cerca de 13 toneladas de peixes.
O fato não chega a ser novo. O lago de Tucuruí, com quase 3.000 km2, quase dez vezes maior que o de Sinop, ainda tem troncos de árvores aparecendo na época da seca.
O site GC Notícias, de Sinop, tem mais informações.
Secas na Amazônia terão prevalência aumentada e serão mais severas
Um trabalho recém-publicado na New Phytologist analisa o impacto das secas na floresta amazônica. Os modelos climáticos indicam uma alta probabilidade de que episódios de secas na região sejam mais prevalentes e mais intensos; além disso mostram que os impactos sobre a floresta repercutem sobre o clima global. A pesquisa foi conduzida entre 2010 e 2017 e registrou os efeitos de uma seca forte provocada por um El Niño. O foco da pesquisa era entender as dinâmicas segundo as alturas das árvores. Segundo os pesquisadores, é preciso levar em conta que, em períodos mais secos, a insolação também é maior. Árvores mais altas têm raízes mais profundas, capazes de captar mais água e, assim, aproveitar o aumento da insolação para aumentar suas copas. Árvores menores expostas ao sol, com raízes menores, perdem área de copa ou simplesmente morrem. No entanto, árvores menores na sombra das mais altas, recebem mais insolação do que em períodos úmidos e, aproveitando a umidade do sub-bosque também crescem. Assim, a pesquisa mostrou que a capacidade de uma árvore em lidar com períodos secos tem forte dependência da sua vizinhança, ou da estrutura da floresta à sua volta. O artigo original pode ser lido aqui, e a própria New Phytologist traz um comentário.
Novo governo coloca em xeque a governança socioambiental
Os professores e pesquisadores Fabio Scarano, Cristina Adams, Mercedes Bustamante, Carlos Joly, Helder Queiroz e Cristiana Seixas escreveram um artigo forte e muito interessante no Direto da Ciência. Eles lembram que durante a ditadura militar o controle do meio ambiente era fortemente centralizado. Desde a redemocratização, o entendimento das complexas relações entre as várias escalas de ambiente, em um fluxo fechado que vai e volta do global ao local, quase que exigiu o surgimento de uma governança também complexa. Na medida em que o Estado não dá conta da rede de nuances e a sociedade civil demanda mais participação, este espaço passa a ser ocupado por organizações não governamentais, sem fins lucrativos. Os autores argumentam que essa atuação acaba se dando ao longo de duas frentes: “Uma, mais informativa, para apontar equívocos e denunciar maus procedimentos que afetam negativamente a relação dos seres humanos com a natureza. Outra, mais operacional, para gerar ou aplicar conhecimento na solução de problemas ambientais que, por vezes, fogem da competência ou dos meios de governos, de empresas, de atores das comunidades locais ou de indivíduos.”
A preocupação dos autores é com a visão que o novo governo tem dessas organizações e com os inflamados tuítes contra os sistemas multilaterais. “Os questionamentos recentes do atual governo brasileiro sobre a participação em acordos multilaterais não nos isolarão das consequências e dos custos dos danos ambientais, mas poderão nos isolar e enfraquecer as bases para a busca de soluções aos nossos problemas.”
Se levado à cabo, o enfraquecimento ou a exclusão das ONGs da vida nacional, “as consequências recaem, em primeiro lugar, sobre a população brasileira, sobretudo nos locais com menores índices de desenvolvimento humano (IDH). Em um país de dimensões continentais como o Brasil e que abriga realidades locais bem diversas, onde os olhos e os braços do governo muitas vezes não chegam, são as organizações da sociedade civil que atuam junto às comunidades. A redução da atuação da sociedade civil enfraquece essas comunidades e as suas populações. Tal retrocesso é carta branca para a sobre-exploração dos recursos naturais e o incentivo para atividades de degradação ambiental, com sérias consequências para a saúde e o bem-estar de milhões de cidadãos. Ignorar a responsabilidade socioambiental do Brasil não passará impune aos olhos dos brasileiros e da História.”
O maior parque eólico da América do Sul
A energética italiana Enel iniciou a construção do que ClimaInfoserá o maior parque eólico da América do Sul. Com 716 MW de capacidade, distribuídos em 230 turbinas, o projeto fica no sul do Piauí e custará mais de € 700 milhões (quase R$ 3 bilhões). Se tudo correr bem, o parque entra em operação daqui a dois anos.
Em tempo 1: no Reino Unido, o maior parque eólico do mundo entra em operação nesta semana. O parque Hornsea One tem 174 turbinas offshore, com uma capacidade de 1.200 MW. O projeto todo é composto de quatro parques e o próximo deve entrar em operação no começo da próxima década. Ao final, a capacidade projetada é de 6 GW, quase a metade da hidrelétrica de Belo Monte. Só que o parque eólico funcionará o ano todo, ao contrário da hidrelétrica que passa metade do ano com pouca água para turbinar.
Em tempo 2: por falar em recordes, o maior telhado solar do mundo entrou em operação na Holanda. São quase 9 mil painéis, com capacidade de mais de 3 MW nos telhados da Nissan Motor Parts Center, em Amsterdã. Interessante é que a Nissan fez um crowdfunding para ajudar a pagar a conta. A campanha arrecadou os pretendidos 500.000 euros em apenas dois dias.
O sigilo no órgão da ONU que busca reduzir emissões da aviação internacional
O The Guardian relata que o “órgão da ONU encarregado da redução das emissões globais das aeronaves está se reunindo secretamente nesta semana para discussões dominadas por observadores da indústria aeronáutica.” Trata-se da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO), que se reúne esta semana em Montreal para discutir medidas de redução das emissões das aeronaves internacionais. A matéria acrescenta que “os voos domésticos e internacionais emitiram 895 milhões de toneladas de CO2 no ano passado – 2,4% das emissões globais de CO2 relacionadas à energia, de acordo com o Carbon Brief (…) Se a aviação fosse um país seria o sexto maior do mundo (…) Mas o órgão encarregado de reduzir a pegada de carbono da aviação internacional tem pouco ou nenhum escrutínio público. Sua agenda e documentos de discussão não são divulgados ao público ou à imprensa internacional, e as reuniões não são abertas à mídia.” O Guardian cita críticos da falta de transparência da ICAO, acrescentando que “o único órgão não-governamental não vinculado à indústria aeronáutica que pode entrar na reunião é a Coalizão Internacional para a Aviação Sustentável, formada por um pequeno grupo de ONGs ambientais internacionais.
Riscos climáticos e econômicos ameaçam gerar colapso econômico ‘à la 2008’
Um estudo do Institute for Public Policy Research (IPPR) adverte que as “ameaças causadas pelo homem ao clima, à natureza e à economia apresentam um risco de colapso sistêmico comparável ao da crise financeira de 2008”, segundo relata Jonathan Watts no The Guardian. Watts acrescenta que “o estudo diz que a combinação do aquecimento global com perda da fertilidade do solo, perda de polinizadores, lixiviação química e acidificação dos oceanos está criando um ‘novo domínio de risco’, que vem sendo subestimado pelos formuladores de políticas, embora possa representar a maior ameaça na história humana.” O trabalho (This is a Crisis: Facing to the Age of Environmental Breakdown) é um metaestudo feito sobre dezenas de artigos acadêmicos, documentos governamentais e relatórios de ONGs compilados pelo think tank IPPR. Roger Harrabin, analista ambiental da BBC News, também escreveu sobre o relatório, dizendo que este afirma que “políticos e formuladores de políticas não entenderam a gravidade da crise ambiental que a Terra enfrenta”. Harrabin acrescenta: “O IPPR adverte que a janela de oportunidade para evitar impactos catastróficos do aquecimento global está se fechando rapidamente. Os autores insistem em três mudanças na compreensão política: na escala e no ritmo do colapso ambiental; nas implicações para as sociedades; e na subsequente necessidade de mudança transformadora. Dizem que, desde 2005, o número de inundações em todo o mundo aumentou 15 vezes, os eventos de temperatura extrema, 20 vezes, e os incêndios florestais, sete vezes. Pelo menos a mudança climática aparece nas discussões políticas, dizem eles – mas outros impactos de importância vital mal figuram”.
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