O doloroso desmame

O agro-tech-pop-tudo, o setor que “carrega o país nas costas”, quem diria, luta para manter protecionismo e subsídios 

 

André Aroeira

 

(Facebook, 14/02//2019) A última semana foi de desespero para o agronegócio. O setor que se proclama o motor da economia do país, o carregador do PIB, o grande exemplo de modernidade e produtividade, está, vejam só, desesperado com a crise financeira que obriga o governo a cortar gastos e rever subsídios.

 

Na semana passada, um pequeno clamor porque o Brasil derrubou uma taxa de importação do leite que subia artificialmente os preços lá de fora para viabilizar a produção interna.

 

Ontem, no Estadão, o movimento de lobistas para tentar reverter a decisão do governo Temer, no apagar das luzes, que prevê retirar em cinco anos os R$ 3,4 bilhões anuais de subsídio da conta de luz do setor, até então rateado entre eu, você e todos os brasileiros.

 

Na terça, o mesmo Estadão noticiou que o ministério da agricultura está alarmado porque a equipe de Paulo Guedes pretende incluir o fim dos subsídios previdenciários do agro na reforma da previdência. São R$ 7 bilhões anuais retirados dos aposentados brasileiros para virar margem de lucro de ruralista.

 

Um dia antes, na segunda, a ministra Tereza Cristina parecia um pouco alterada em uma maravilhosa entrevista ao mesmo jornal, que merece um olhar mais cuidadoso. O motivo: o governo pretende fazer cortes nos 200 bilhões de reais que destina ao setor todos os anos:

 

“Vamos quebrar a Agricultura? É esse o propósito? Tenho certeza que não é. Não pode criar um pânico no campo: acabou o dinheiro! Não é assim!”.

 

Parafraseando o diabo loiro Marcos Lisboa, o grande guru liberal do Brasil: má notícia, dona ministra. O dinheiro acabou.

 

A entrevista segue, para nosso deleite: “Além de tudo, teremos uma grande safra, mas ela é menor do que se previa, porque tivemos problemas climáticos pontuais”.

 

Acintosa, a ministra que tem como missão de vida o afrouxamento de leis ambientais, fim de fiscalização de trabalho escravo, liberação indiscriminada de agrotóxicos e desmatamento, vem agora reclamar de “problemas climáticos pontuais” que são profetizados há décadas. E quer jogar a conta disso pro país.

 

Se saiu alguma coisa certa da entrevista da dona Tereza, é que ela chamou as coisas pelo nome certo: “Eu brinco até que é um desmame. Você pode fazer o desmame radical e o controlado”.

 

Blairo Maggi dizia que o agronegócio carregava o Brasil nas costas e precisava de tranquilidade para trabalhar. Mas afinal de contas, quem é que carrega quem nas costas?

 

Na semana passada, um relatório de pesquisadores de todo o país demonstrou que apenas o serviço de polinização de 191 culturas no Brasil, em especial soja, café, feijão e laranja, vale R$ 43 bilhões anuais. É um serviço gratuito e que depende única e exclusivamente da presença de vegetação nativa preservada próxima às culturas.

 

E como o setor paga as abelhas, mariposas, besouros e afins pelos 43 bilhões grátis injetados diretamente em suas safras na forma de volume e qualidade? Revisão do código florestal para menos, liberação de agrotóxicos sabidamente destrutivos para polinizadores, revisão da demarcação de áreas protegidas e incentivo ao desmatamento.

 

Não há clima pontual que aguente, ministra.

 

Se a gritaria já começou por causa da conta de luz, imagina quando a gente começar a cobrar de verdade essa conta.

 

A mamata do agronegócio, para além dos subsídios previdenciários, da conta de luz, do crédito barato e infinito e de jogar eventuais prejuízos para todos os brasileiros, inclui ainda a miríade de subsídios socioambientais que passa ao largo do sistema de preços. Como as barragens explosivas da Vale pairando sobre a cabeça de 100 mil brasileiros não entram no preço do minério, a água poluída, a perda de qualidade do solo, as emissões de gases estufa, o desmatamento e todos os demais impactos não são cobrados do agronegócio. Também ficam de fora hoje os mais de 70% da água do país utilizadas e devolvidas carregadas de poluentes e veneno, os 6 litros de agrotóxicos por habitante que são absorvidos pelos ecossistemas, as chuvas gratuitas da floresta amazônica, o impacto do êxodo forçado de pessoas sobre as cidades…

 

Suspeito que ia ficar um pouquinho pesado demais pro agro seguir “carregando o país”.