Governo gaúcho quer mudar legislação ambiental sem ouvir a sociedade

Silvia Franz Marcuzzo – 22/10/2019

O afrouxamento dos cuidados com o meio ambiente ronda o Rio Grande do Sul sob o slogan “Desenvolver para Proteger” que era estampado no banner eletrônico da audiência pública sobre as alterações do Código Estadual do Meio Ambiente propostas pelo governo do Estado. O evento lotou o auditório Dante Barone da Assembleia Legislativa com um público dividido entre os que são a favor da tramitação em regime de urgência – o prazo se encerra no dia 5 de novembro – e os que pedem mais tempo para o debate da matéria.

A audiência foi bem movimentada, entre vaias, apitos e manifestações, com funcionários da Fundação Estadual de Proteção Ambiental, órgão licenciador, ostentando faixas pedindo mais tempo para debater o tema. Os servidores públicos alegam que não foram chamados para tratar das alterações propostas.

Representantes de movimentos da sociedade civil, entre eles, ambientalistas de distintos segmentos, também marcaram presença. Inclusive uma dupla com coletes do Greenpeace, depois de usar a palavra no púlpito, foi para frente da mesa com um banner estampando a Constituição Federal. A dupla jogou-se ao chão e foi retirada do palco por seguranças do parlamento. O ex-secretário do Meio Ambiente, José Alberto Wenzel, servidor concursado da Fepam, também reclamou da truculência dos seguranças que o detiveram quando tentou ajudar o pessoal do Greenpeace a se levantar.

A audiência foi conduzida pelo deputado Frederico Antunes (PP), quem dividiu as falas dos deputados com as dos representantes da sociedade. Foi o evento com maior número de representações do parlamento gaúcho: 24 deputados e 44 entidades da sociedade civil. O acesso do público foi dificultado, senhas foram distribuídas por comissões e instituições participantes. Até membros do Ministério Público tiveram que conseguir senhas para entrar.

Rapidez pra licenciar

O governo Eduardo Leite do PSDB, partido que tem maioria na Assembleia, quer aprovar rapidamente o novo Código. Sob o pretexto de que a atual legislação está travando o desenvolvimento e que é preciso regras mais claras para quem deseja investir no Estado. Tem o apoio dos setores tradicionais da economia, como da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande Sul, da Sociedade de Engenharia e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul.

Mais cautela

O titular da Pasta de Meio Ambiente e Infraestrutura (essa junção de pastas foi proposta pelo atual governo), Artur Lemos Júnior, apresentou slides defendendo o novo texto. Lemos foi secretário de Minas e Energia do governo anterior, o mesmo que aprovou em regime de urgência os polos carboquímicos.

A representante do Tribunal de Justiça do Estado, juíza Patrícia Laydner, e o coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do Ministério Público, Daniel Martini, alertaram sobre o que podem significar as mudanças. São 480 itens alterados do Código que foi sancionado em 2000 depois de tramitar por dez anos.

A juíza Patrícia argumenta que, na pressa pela aprovação, o governo pode produzir “uma colcha de retalhos de difícil aplicabilidade”. Ela destacou aspectos que não são mencionados, mas que deveriam ser incorporados à nova legislação, como a questão das mudanças climáticas. Além disso, lembrou que a participação da sociedade é um princípio norteador da legislação ambiental: “Temos que buscar meios para garantir o desenvolvimento. No entanto, não podemos crescer às custas da saúde das pessoas e das populações vulneráveis, que são as que sofrem os maiores impactos”. Ela disse que não sabe dizer se o texto ficou bom ou ruim, pois 30 dias é tempo insuficiente para avaliação.

Já Martini, que também defendeu a retirada do regime de urgência, citou a força-tarefa organizada pelo MP para analisar as alterações propostas pelo governo. Uma equipe de 13 servidores públicos, entre eles nove promotores, sugeriu 112 adequações ao texto. Ele chamou atenção para pontos essenciais, que podem levar a Justiça ser acionada no futuro: a retirada da obrigatoriedade de avaliação de impactos, pois o licenciamento pode ser facilitado se a área já tiver sido estudada como viável para empreendimentos; a criação da licença única, chamada de Licença por Adesão e Compromisso (LAC); e as retiradas da exigência de uma equipe técnica autônoma e independente para elaboração de EIA/Rima e dos capítulos sobre poluição visual e sonora. “Não concordamos com processos de licenciamento que levam três anos. O Estado deve ser ágil. Mas deve agir com segurança e dar garantias à sociedade”, defendeu.

Muitas organizações se manifestaram pedindo mais tempo para o debate, entre elas a OAB, o Sindicato dos Engenheiros e a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), que na figura do ex-vereador de Porto Alegre, Beto Moesch, lamentou ter que usar o espaço da ONG, porque o presidente da mesa, Antunes, não permitiu que ele falasse. Beto foi o articulador do Código, na década de 90, quando foi assessor da bancada do PP na Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia.

Na edição do dia 17 de outubro, o jornal Correio do Povo noticiou que o chefe da Casa Civil, Otomar Vivian, recebeu uma carta pedindo a retirada do regime de urgência assinada por parlamentares do MDB, DEM, PT, PSOL, PDT e Podemos. “Uma legislação complexa como essa deve ser revisada, mas não se pode, em nome do desenvolvimento econômico, atacar o meio ambiente. O que estamos pedindo não é nada demais: é oportunidade para fazer o debate com calma e com toda a sociedade. Trinta dias para fazer isso beira à irresponsabilidade”, afirmou o deputado Edegar Pretto (PT).

Todos os ex-presidentes da Fepam também entregaram uma carta pedindo um prazo maior ao governo.

Durante a tarde, o SENGE-RS, sindicado de engenheiros, ingressou com um Mandado de Segurança contra o ato do governador Eduardo Leite que determinou a tramitação em regime de urgência do PL 431/2019, que institui o Código do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul.

Em tempo: enquanto a audiência pública rolava, o presidente da Assembleia, Luis Augusto Lara, era cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral pelo uso da máquina pública da prefeitura de Bagé nas eleições de 2018.