Arundhati Roy: “A pandemia é um portal”

Arundhati Roy

A premiada escritora indiana Arundhati Roy publicou um artigo sobre o coronavírus na Índia e as desastrosas medidas impostas pelo governo Modi.

“Quem ainda consegue usar o termo ‘viralizar’ sem tremer um pouco? Quem ainda consegue olhar para qualquer coisa – uma maçaneta de porta, uma caixa de papelão, um saco de legumes – sem imaginá-la repleta daquelas manchas invisíveis, não mortas, não vivas, salpicadas de ventosas esperando para se prenderem nos nossos pulmões?

Quem consegue pensar em beijar um estranho, subir em um ônibus ou mandar seu filho para a escola sem sentir medo de verdade? Quem pode pensar em prazeres comuns e não avaliar seu risco? Quem entre nós não é um fake epidemiologista, virologista, estatístico ou profeta? Que cientista ou médico não está secretamente rezando por um milagre? Que sacerdote não está – pelo menos secretamente – se curvando à ciência?”

Vale destacar o trecho final: “Historicamente, as pandemias forçaram os humanos a romper com o passado e imaginar seu mundo de novo. Esta não é diferente. Ela é um portal, uma porta de passagem entre um mundo e o outro. Podemos optar por caminhar pelo portal arrastando as carcaças de nossos preconceito e ódio, nossa avareza, nossos bancos de dados e ideias mortas, nossos rios mortos e céus fumegantes que deixamos no nosso caminho. Ou podemos caminhar levemente, com pouca bagagem, prontos para imaginar um outro mundo. E prontos para lutar por ele.”

O artigo tem uma frase que deve ser guardada: “Nada poderia ser pior do que voltar ao normal.”

O artigo saiu no Financial Times, e o Comunizar publicou uma tradução para o espanhol.

Em tempo: Roy comenta ironicamente: “O narcisismo [de Modi] é profundamente perturbador”, mas talvez ele pudesse “solicitar ao primeiro-ministro francês que nos permita renegar o extremamente problemático negócio com o caça Rafale de modo a usarmos esses 7,8 bilhões de euros para medidas de emergência desesperadamente necessárias para ajudar milhões de pessoas famintas. Certamente os franceses entenderão.”

Substitua “Modi” por “Bolsonaro”, e o “Rafale” pelo também bilionário “Gripen”, e veja que o pedido faz sentido por aqui também.

 

ClimaInfo, 6 de abril de 2020.

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