Agronegócio “cerca” Comunidades Tradicionais no Cerrado

Agronegócio Comunidades Tradicionais Cerrado
Acervo ISPN/Peter Caton

Em série sobre o desmatamento, reportagem da Folha percorre quase 3.000 km para mostrar os impactos da devastação no bioma, conhecido como “caixa-d’água” do Brasil.

Desde a posse de Lula, em janeiro de 2023, o desmatamento na Amazônia não para de cair. Com os olhos do mundo voltados para a maior floresta tropical do planeta, o governo agiu rápido para estancar a devastação na região. Mas, por outro lado, o Cerrado não para de sofrer. A pressão da agropecuária sobre o bioma parece não ter limites. Com um Código Florestal estipulando uma reserva legal pequena e governadores estaduais autorizando a supressão vegetal à rodo, o desmate avançou absurdamente.

O epicentro dessa destruição é o MATOPIBA, área dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A região concentrou mais de 70% dos 11 mil km² de vegetação nativa perdidos no Cerrado no ano passado, segundo dados do INPE. E foi lá que uma equipe de reportagem da Folha andou para mostrar as causas e os impactos profundos dessa alteração na paisagem.

Em março, por 12 dias, a repórter Jéssica Maes e o repórter fotográfico Lalo de Almeida visitaram seis municípios, rodaram 2.850 km em estradas ladeadas por plantações de soja, milho e algodão, e realizaram um total de mais de 30 entrevistas, antes, durante e após a viagem. Na série “Cerrado loteado”, de quatro capítulos, que começaram a ser publicados na 5ª feira (25/4), a Folha explica como o avanço do agronegócio sobre a vegetação nativa encurrala comunidades, influencia o clima e ameaça a segurança hídrica do país.

Um dos lugares visitados pela Folha foi Correntina, na Bahia, que tem 11.504 km² – equivalente a sete vezes a área da cidade de São Paulo. Ela ocupa o 6º lugar no ranking das cidades que mais desmataram o Cerrado em 2023, com quase 208 km² de vegetação nativa perdidos. E lá, assim como em outros municípios do MATOPIBA, produtores ocupam territórios ancestrais, praticam “grilagem verde” e geram desmatamento e conflitos.

“Agora vocês estão entrando no faroeste. Todos esses gerais aqui estão em disputa”, disse Marcos Rogério Beltrão dos Santos, geraizeiro e ativista do Movimento Ambientalista Grande Sertão Veredas. “Gerais” é o nome dado às grandes extensões de Cerrado cobertas por vegetação nativa que, antes da chegada das imensas fazendas de monocultura e pecuária, dominavam a região. E os geraizeiros são integrantes de diferentes grupos tradicionais que ali habitam.

“Daqui até Goiás não tinha um palmo de cerca. Hoje você não consegue nem sair da cidade e já tem cerca e guarita”, disse Santos. “Até os anos 1970, tudo isso era o território das Comunidades Tradicionais”, afirmou ele, apontando em um mapa o extremo oeste baiano. “Aí, as comunidades foram sendo tocadas para baixo [dos chapadões]. E o que a gente conseguiu segurar foi esse pedaço aqui [onde ficam fechos de pasto]”, lamentou.

Em tempo: Com um volume que alcançou quase R$ 460 bilhões em 2023, as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) disponibilizam mais dinheiro ao agro do que o Plano Safra, o principal instrumento público de financiamento do setor, que em sua mais recente edição ofertou ao segmento R$ 364 bilhões. Mas, ao contrário da política pública, os recursos das LCAs são privados. E o caminho que leva essa bolada do bolso do investidor individual para o de um fazendeiro, empresa ou até para uma megaindústria de commodities possui travas pouco claras para evitar que o dinheiro acabe financiando o desmatamento, alerta a Repórter Brasil. “É difícil de pensar que esse dinheiro não chegue ao agro irresponsável”, afirma Fabio Alperowitch, sócio da FAMA Investimentos, especializado em investimentos ESG. “Alguém está financiando tudo isso. Há sérios problemas do agro irresponsável, e os critérios não estão sendo claros o bastante para evitar isso”, destacou.

 

 

__________

ClimaInfo, 26 de abril de 2024.

Clique aqui para receber em seu e-mail a Newsletter diária completa do ClimaInfo.