Expansão da geração eólica em Pernambuco segue ignorando salvaguardas socioambientais

expansão geração eólica Pernambuco
Pietro/Wikimedia Commons

Violações de direitos em PE e condenação de empresa eólica por danos morais no RN reforçam necessidade das salvaguardas socioambientais para projetos de energia renovável.

O planeta necessita urgentemente eliminar os combustíveis fósseis e ampliar exponencialmente as fontes renováveis na matriz energética. Entretanto, nesse segundo ponto, também é fundamental reforçar que os projetos eólicos e solares, essenciais para a transição energética, precisam ser implantados de forma justa. Isso significa levar em conta não apenas a necessidade energética, mas também as necessidades de pessoas e comunidades atingidas, bem como do meio ambiente.

Entretanto, o que vem ocorrendo na implementação de usinas eólicas e solares no Brasil, principalmente no Nordeste, é uma sistemática violação de direitos de moradores de cidades e pequenos proprietários rurais por parte dos empreendedores. Isso motivou comunidades da região impactadas por parques eólicos e solares  a lançarem o documento “Salvaguardas socioambientais para energia renovável”. Elaborado com a ajuda de especialistas e coordenados pelo Plano Nordeste Potência (NEP), o guia, uma iniciativa inédita, apresenta mais de 100 recomendações para ajudar o país a enfrentar as contradições da implantação de parques eólicos e solares, que se vendem como “limpos”.

O objetivo do guia é evitar que se repitam situações como as verificadas em Pernambuco pela Marco Zero e BBC. O que se vê são contratos de arrendamento de terra para empresas eólicas no semiárido vantajosos para empresas e prejudiciais a agricultores, como mostram organizações sociais e estudos acadêmicos.

Assim, cresce o movimento para rever cláusulas prejudiciais às comunidades. Isso porque a maioria dos contratos é irrevogável, irretratável e sigilosa, tem previsibilidade de renovação automática, é extensível aos herdeiros e pode gerar multas milionárias aos pequenos proprietários caso queiram cancelá-lo.

“Eu agora me arrependo”, lamenta José (nome fictício), 60 anos. Agricultor de Bonito, no agreste pernambucano, no trabalho rural desde os 10 anos, ele está com parte das terras onde vive com a família e planta inhame, goiaba e acerola presa a um contrato de 30 anos com uma empresa eólica. Ele e diversos outros camponeses e também grandes proprietários de terra do município, a 130 km do Recife, arrendaram seus imóveis para a Ituporã Energia em 2018. Até hoje, não receberam nada em troca e, depois de reavaliarem as condições, querem cancelar o negócio.

Contratos draconianos e impactos socioambientais ignorados pelas empresas também ocorrem em outros estados da região, como o Rio Grande do Norte. Lá, uma empresa dona de um parque eólico, cujo nome não foi revelado, foi condenada a pagar indenização de R$ 50 mil por danos morais para um morador da região de Serra de Santana, a cerca de 200 km da capital potiguar, Natal, informa a Agência Brasil.

O morador alegou que, além do “barulho constante” provocado pela rotação do aerogerador ter provocado “danos morais diretos”, “seu imóvel residencial passou a apresentar trincas, fissuras e rachões”. O motivo seria a “construção e funcionamento de conjunto de torres” instaladas a cerca de 200 metros de sua residência.

O respeito a salvaguardas socioambientais teria evitado tais situações. Renováveis sim, mas não assim. Por isso é crucial que os futuros leilões governamentais de contratação de energia renovável tenham isso como regra.

Em tempo: A ABEEólica apresentou seu “Guia de Boas Práticas do Setor Eólico”, elaborado pela Consultoria Gaja a pedido da entidade, informa a Brasil Energia. O documento, realizado em conjunto com 17 empresas associadas, pretende mostrar como empreendedores podem trabalhar em projetos de energia eólica no Brasil de forma respeitosa, transparente e harmoniosa com a sociedade e o meio ambiente. Segundo a associação, o Guia traz exemplos de ações sociais, ambientais e fundiárias, além de uma série de recomendações. Em post no Instagram, o Plano Nordeste Potência (NEP) avaliou o guia como “uma resposta ainda tímida e insuficiente diante das violações socioambientais que ocorrem nos territórios afetados pelo setor, em especial no Nordeste”.

 

 

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ClimaInfo, 26 de abril de 2024.

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