Em iniciativa inédita, comunidades elaboram salvaguardas socioambientais para parques eólicos e solares

Salvaguardas eólicas solares
Jurema de Amontada (CE) / Daniel CorreiaSal Filmes

Documento lista mais de 100 medidas para mitigar impactos sociais e ambientais que vêm sendo verificados na expansão dos setores eólico e solar no Brasil.

“Energia renovável sim, mas não assim”. O lema foi criado por movimentos sociais da Espanha em resposta à expansão dos projetos de fontes renováveis no país que não consideravam os impactos socioambientais. Situação idêntica é vivida do lado de cá do Oceano Atlântico, principalmente no Nordeste, onde acontecem diversas violações de Direitos Humanos, com impactos sociais e ambientais.

Para mitigar esses problemas, comunidades nordestinas impactadas por parques eólicos e solares resolveram agir. Após mais de dois anos de debates, lançaram na 4ª feira (31/1) o documento “Salvaguardas socioambientais para energia renovável”. Elaborado com a ajuda de especialistas, o guia, uma iniciativa inédita, apresenta mais de cem recomendações.

As sugestões de medidas legais, administrativas e políticas listadas, cuja construção contou com a participação de 28 organizações e instituições, podem ajudar o país a enfrentar as contradições da implantação de parques eólicos e solares, que se vendem como “limpos”, destaca o Nexo. Elas respondem a três grandes grupos de problemas. O primeiro são os contratos, nos quais há grande desequilíbrio entre empreendedores e pequenos proprietários ou posseiros, que arrendam suas terras para a instalação das usinas e outras estruturas relacionadas com cláusulas injustas. Outro é a outorga para geração e transmissão de energia, que não inclui uma análise qualificada de componentes ambientais, sociais, etnoculturais, produtivos ou agrários. Já o processo de licenciamento ambiental, majoritariamente estadual, tem sido ineficaz para fazer frente aos problemas enfrentados e não fornece ações adequadas de reparação.

“O planejamento e a decisão de onde [a usina] será colocada não leva em conta o que existe naquele território. O máximo que se considera hoje é a existência ou não de Áreas Protegidas ou outras áreas já demarcadas. Várias populações e Povos Tradicionais, campesinos de diferentes configurações não são considerados”, explica Cristina Amorim, coordenadora do Plano Nordeste Potência, que apoiou a formulação do documento.

Dorinha Manato, da Associação Quilombola Serra dos Rafaéis, na divisa do Piauí com Pernambuco, contou que as negociações entre comunidades e empresas são fonte de conflitos em sua região, destaca a Folha. “Eles [a empresa] chegam com promessas de melhorias que não acontecem. Eles vão embora e a gente fica aqui com os impactos, os prejuízos e o medo.”

As preocupações também envolvem a preservação da fauna e flora da Caatinga, onde a maior parte desses projetos são instalados. Em 2022, pela primeira vez, o MapBiomas detectou desmatamento por usinas eólicas e solares no Nordeste. Outro destaque do documento são as medidas sugeridas para a aplicação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), principalmente o direito à consulta prévia, livre e informada prevista , detalha o Observatório do Clima.

Brasil de Fato, ((o))eco, O Povo, Tribuna da Bahia e CicloVivo também repercutiram o lançamento das salvaguardas sociambientais para energia renovável no Brasil.

Em tempo: Enquanto comunidades do Nordeste atingidas por parques eólicos e solares lançavam o inédito documento com salvaguardas para a instalação desses projetos, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, assinava um “Plano de Trabalho Conjunto para a Aceleração da Transição Energética” com a Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês). O acordo foi firmado durante evento na sede do ministério com a presença do diretor-executivo da IEA, Fatih Birol. Segundo Silveira, o objetivo do Brasil é liderar as discussões sobre a sustentabilidade no mundo, representando os países do Sul Global, destaca o Correio Braziliense. Antes do evento começar, Silveira e Birol se reuniram apenas com presidentes e diretores das principais empresas de energia e combustíveis do país. Não havia qualquer representante de movimentos sociais e de atingidos por parques eólicos e solares – o que não apenas demonstra a visão de “sustentabilidade” do ministro como comprova a urgência de o MME e outros órgãos de governo lerem e adotarem as salvaguardas sugeridas pelos atingidos pelas fontes renováveis no país.

 

ClimaInfo, 1º de fevereiro de 2024.

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