Mesmo negociadores experientes foram pegos de surpresa na tarde de sábado na plenária final da COP26, quando o ministro indiano Bhupender Yadav propôs reabrir o texto de decisão para modificar a redação de seu parágrafo 36. Àquela altura, a impressão generalizada era de que o texto da Presidência, cujo conteúdo tinha sido discutido à exaustão nos dois dias anteriores, representava a versão final que seria aprovada pelos países naquele dia. No entanto, de uma hora para a outra, a oposição de Índia (e, depois, China e outras economias emergentes) colocou um obstáculo significativo para o fechamento da COP, com o risco de colocar em xeque todos os resultados da Conferência.
O busílis era uma citação ao uso de carvão e aos subsídios governamentais para a indústria fóssil, a primeira desse tipo em um texto de decisão da COP. Na versão proposta pelo Reino Unido, os países eram requisitados a “abandonar” a queima de carvão mais sujo (em usinas termelétricas sem medidas de mitigação associadas) e o apoio financeiro e fiscal à produção de combustíveis fósseis. Os negociadores de Índia e China, dois dos maiores consumidores do mundo de carvão, se manifestaram contra a proposição a tal ponto que, de acordo com Karl Mathiesen, no POLITICO, um negociador chinês ameaçou “quebrar tudo” – ou seja, inviabilizar qualquer acordo em Glasgow se não houvesse mudança nesse trecho do texto.
A oposição sino-indiana ao texto de decisão jogou os negociadores em conversas frenéticas de última hora, encabeçadas pelo presidente da COP, Alok Sharma, com apoio dos EUA e da União Europeia. A partir disso, as quatro partes chegaram a um consenso: ao invés de “abandonar”, o texto convidaria os países a “reduzir” o uso de carvão sujo e os subsídios fósseis. No entanto, a solução deixou muita gente de fora, gente que só soube da nova redação do parágrafo 36 na reabertura da plenária, quando o representante indiano formalizou a proposta.
“Peço desculpas pela forma como este processo se desenrolou. E eu sinto profundamente. Mas é vital protegermos esse pacote [de decisões]”, disse Sharma, segurando as lágrimas, depois de ser cobrado por representantes de países pobres e vulneráveis pela falta de transparência e de participação na costura do acordo final com indianos e chineses.
Os britânicos não esconderam a decepção com esse resultado em particular. “No caso de China e Índia, eles terão que se explicar aos países vulneráveis porque fizeram o que fizeram”, comentou Sharma em coletiva de imprensa no domingo (14/11), ao lado do premiê Boris Johnson. “De outra forma, poderíamos terminar sem nenhum acordo. Teríamos perdido dois anos de trabalho realmente árduo e não teríamos nada para mostrar aos países em desenvolvimento”.
BBC Brasil, Bloomberg e Folha destacaram a articulação política que impediu o colapso da COP26 e o custo desta sobre a ambição do texto final da Conferência. Já BBC, Bloomberg, Guardian e Valor repercutiram as falas de Sharma pós-COP.
ClimaInfo, 16 de novembro de 2021.
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