Debate sobre mulheres na ação climática abre atividades do Brazil Hub na COP27

COP27 estandes brasileiros
Eduardo Carvalho / BrazilClimateHub.org
Mulheres indígenas, quilombolas, representantes das juventudes, de empresas e da sociedade civil compartilham, em suas falas, uma visão de um futuro mais inclusivo, feminino, compartilhado, racial, territorial e ambiental no enfrentamento da crise climática.

Por Daniela Vianna, ClimaInfo

As atividades do Brazil Climate Action Hub – espaço da sociedade brasileira na COP27, no Egito – tiveram início na manhã desta terça-feira (8/11), a partir do compartilhamento de visões e vozes das mulheres que atuam na linha de frente do cuidado e da preservação dos recursos naturais para assegurar um futuro mais justo, sustentável e equânime para o Brasil e o mundo. Entre hoje e o dia 17 de novembro, o Hub será palco de mais de 30 eventos sobre diversas nuances e temas envolvendo a crise climática e possíveis soluções.

“Eu sou água, eu sou terra, eu sou bioma”, entoou a liderança indígena Shirley Krenak, na língua de seu povo (hoje concentrado no leste de Minas Gerais), em sua fala de abertura do evento. “O povo mais antigo do mundo se chama bioma”, sentenciou, fazendo um convite que foi atendido por todas as mulheres que a sucederam nos debates. “Quando vocês se apresentarem, falem do bioma ao qual pertencem, porque na medida em que a gente não lembra do bioma e da terra em que a gente pisa, a gente mata a si mesmo”, sentenciou. 

Shirley também criticou o foco exacerbado na Amazônia, em detrimento de outros biomas brasileiros. “Somos seis biomas, e um depende do outro para manter o equilíbrio climático do mundo. Então, daqui para frente, vamos pensar que precisamos fortalecer todos os biomas; em todos existem povos indígenas e comunidades tradicionais. (…) Não existe trabalho ambiental só para um bioma, então, agora (…) é Fundo Biomas que tem de ser criado [em menção ao Fundo Amazônia].”

No debate que se sucedeu, Val Munduruku, membro do Engajamundo e da IPLC, representante da etnia Munduruku no Alto Rio Tapajós, no Pará, destacou que as mulheres, seja nos territórios, seja nos centros urbanos, precisam firmar alianças em torno da preservação dos biomas. A região é fortemente impactada pelo garimpo ilegal. “As crianças estão tendo seus corpos violados, mulheres não querem mais engravidar, por risco de contaminação dos bebês por mercúrio, a sociedade brasileira tem o compromisso de defender nossas pautas”, afirmou.

Ana Rosa Cyrus, do GT de Gênero do Engajamundo, destacou que o movimento climático – hoje representado em sua maioria por homens brancos – deve ser liderado “por quem sente e por quem sofre [as consequências da crise”. “Quando mulheres não podem ser protagonistas da luta ambiental e climática, a gente está retirando de dentro das discussões as histórias de quem sofre diariamente com o que tudo isso gera”, afirmou.

Selma dos Santos Dealdina, conselheira do Fundo Casa, destacou o papel das mulheres quilombolas na proteção dos biomas, e da invisibilidade dessas ações ao longo da história. Falou, ainda, sobre o quanto a sociedade tem a aprender com a sabedoria envolvendo a resistência dos povos tradicionais e dos quilombolas na preservação dos seus territórios.

Denise Hills, diretora global de sustentabilidade da empresa de cosméticos Natura&Co Latam, ressaltou que a solução das questões climáticas passa pelo empoderamento das mulheres que, naturalmente, “são pessoas que criam e que cuidam”. Hills destacou também que o desafio empresarial é assegurar a equidade na tomada de decisões e entender o papel das mulheres na regeneração das relações. “O mundo é 50% de mulheres, o Brasil é mais de 50% preto. Não existe inclusão de minorias. Existe a gente se incluir e se ver como a realidade; representar isso na tomada de decisões para a gente garantir direitos, realidades, vocação dos países de acordo com as pessoas que lá vivem, com a vocação desse lugar”, defendeu.

Gênero e Clima

Na sequência ao evento de Mulheres na Ação Climática, coube à liderança acreana Joci Aguiar, representando o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), introduzir a nova roda de conversa. “Agora [com o novo governo eleito], os espaços serão mais participativos e democráticos”, destacou. Frente a isso, e parafraseando o seringueiro Chico Mendes, Joci lembrou que será a união de todos [e de todas as organizações ali representadas] que fará a diferença. “Temos de ir juntos, porque nossa união será a nossa força.”

Em seguida, Joana Amaral, do Observatório do Clima, apresentou o trabalho que está sendo desenvolvido a muitas mãos no GT de Gênero e Clima, do OC. Na sequência, a jornalista Andreia Coutinho Louback e a pesquisadora Letícia Maria R.T. Lima apresentaram o estudo“Quem precisa de Justiça climática no Brasil?”, lançado pelo mesmo Grupo de Trabalho.

Sheila Carvalho, integrante da Coalizão Negra por Direitos e diretora do Instituto de Referência Negra Peregum, comentou sobre a importância do trabalho de Gênero e Clima e ressaltou o quanto o debate de gênero já foi negligenciado pelas Conferências do Clima. “Quando olhamos para as mulheres negras, por exemplo, e vemos da perspectiva interseccional de gênero, raça e clima, sabemos que elas têm sido impactadas de uma forma bem diferente pelas mudanças climáticas. Citou também um estudo da Universidade da Califórnia sobre o impacto do aumento médio da temperatura em mulheres grávidas. O estudo apontou que o risco de partos prematuros em mulheres não negras, que é de 7%, salta para 15% entre mulheres negras. “Isso aponta que nós (mulheres negras) somos alvos dessas consequências e dessas violências de forma diferente, por conta das mudanças climáticas.” 

Fernanda Lopes, do Fundo Baobá, e Maria Amália Souza, do Fundo Casa, falaram sobre a importância de ir além da filantropia no apoio às comunidades que estão na linha de frente da preservação ambiental e da transição justa e que, muitas vezes, também correm mais riscos de serem diretamente afetadas pela crise climática. As duas organizações atuam como ponte, fazendo ‘aterrizar’, nas comunidades, recursos e fundos nacionais e internacionais para investimento em ações socioambientais. Elas explanaram sobre como, além da provisão de recursos, trabalham para apoiar o fortalecimento institucional e o empoderamento dessas comunidades para que elas próprias possam se autogerir. A maioria dos projetos, segundo elas, é encabeçado por mulheres.

A força da ancestralidade também marcou o final do primeiro evento do Brazil Climate Hub, com representantes indígenas entoando novamente cânticos indígenas para evocar a espiritualidade e celebrar as atividades do HUB.

A íntegra do evento Mulheres na Ação Climática está disponível aqui.

 

ClimaInfo, 9 de novembro de 2022.

Clique aqui para receber em seu e-mail a Newsletter diária completa do ClimaInfo.