Racismo ambiental e risco nas barragens de mineração

Tragédia de Mariana (MG), após rompimento de barragem. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Por Tatiane Matheus*

Na semana do Dia Mundial de Luta pelos Atingidos por Barragens, especificamente neste 14 de março, é preciso refletir sobre o problema pela ótica do racismo ambiental. A iminência de mais um “acidente” ao redor de algumas barragens de mineração é como a espada de Dâmocles. Na mitologia grega, em uma anedota moral, a arma mortal está pendurada acima da cabeça desse conselheiro da corte de Dionísio, presa apenas por um fio de crina de cavalo. Em algum momento irá romper, o que poderá ceifar-lhe a vida.

Hoje, existem 90 barragens de mineração em situação de alerta ou emergência declarada, segundo o último Boletim de Barragens de Mineração, de fevereiro de 2023, publicado pela  Agência Nacional de Mineração (ANM).

Abrangendo os demais tipos de barragens, a Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) informa que existem 22.654 barragens cadastradas por 33 órgãos fiscalizadores no Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB). Do total de barragens cadastradas, apenas 5.474 (24,2%) estão submetidas à Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). No geral, são destinadas à geração de energia hidrelétrica e à contenção de rejeitos de mineração.

 “Voltou a crescer a quantidade de barragens que preocupam os órgãos fiscalizadores: 23 deles listaram um total de 187 em estado crítico, localizadas em 22 estados”, revela o  Relatório de Segurança de Barragens de 2021. Vale frisar que há um número expressivo dessas construções com falta de monitoramento, logo, a situação ainda poderá ser pior.

A barragem da Samarco – rompida sob o município de Mariana (MG), em dezembro de 2015 – é um exemplo de racismo ambiental. Do total de vítimas, 84% eram pessoas negras, conforme estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Segundo o levantamento, o número de impactados não quantificados poderia incrementar ainda mais esses dados.

“O Rio Doce, que vem de Mariana até o litoral do Espírito Santo, é de 680 quilômetros e foi totalmente destruído. Atingiu uma população de mais de 1 milhão de pessoas que vivem nos municípios ribeirinhos do Rio Doce. Só em Governador Valadares, são 14 bairros que vêm sendo alagados pela lama nos últimos sete anos. Depois que seca, deixa uma crosta de lodo tóxico. Existem 400 mil pessoas processando os responsáveis em um processo na Inglaterra. Isso dá uma dimensão dos atingidos pelo rompimento da barragem”,  explica o coordenador Nacional do MAB, Gilberto Cervisnki.

Em 2019, a Mina do Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, teve 270 mortos, e 11 pessoas desaparecidas. Das localidades atingidas, 58,8% dos que estavam no Córrego do Feijão eram populações não-brancas e, no Parque de Cachoeira, o número sobe para 70,3%, de acordo com o Censo do IBGE de 2010. Isso sem contar os 11,7 milhões de metros cúbicos de lixo tóxico e lama que se espalharam por uma área aproximada de 300 km, alcançando comunidades rurais, povos tradicionais e bairros urbanos em 26 municípios ao redor.

Outro estudo, realizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e pela Christian Aid, identificou violações de direitos humanos perpetradas contra as mulheres que se seguiram ao desastre de Brumadinho durante os trabalhos de reparação. Entre elas estão a falta de acesso à água suficiente para usos domésticos e do dia a dia, para seu sustento, trabalho e saúde mental.

A Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) acrescentou que, além do aumento de problemas de saúde mental, de doenças cardiovasculares e de contaminação por poeira tóxica e pela ingestão de peixes contaminados, a região de Brumadinho teve um aumento no número de casos de violência. De acordo com o Atlas da Violência, houve um aumento de 435,48% nas mortes violentas no ano do rompimento, em relação ao ano anterior.

Ainda de acordo com a Aedas, as obras de mineração, além de possuírem alto grau de risco de vida e grande impacto ambiental, atingem pessoas mais pobres, que não têm força política ou de decisão, no geral, para refutar a presença dessas empresas no seu território. As mineradoras, por sua vez, têm sido responsáveis por uma crescente quantidade de conflitos que impactam a vida das pessoas.

O Movimento dos Atingidos por Barragens, nesta semana, reivindicou a criação de um fundo nacional que garanta uma reparação histórica para as populações atingidas e, também, para comunidades rurais e urbanas afetadas pelas mudanças climáticas no país.

Quando falamos de justiça climática, estamos nos referindo aos Direitos Humanos básicos que foram e estão sendo desrespeitados. É importante haver ações que responsabilizem as empresas e o Estado. É urgente a criação  de políticas de direitos e de segurança aos atingidos, bem como ações de mitigação de riscos para os possíveis impactos.

(*) Tatiane Matheus é jornalista e pesquisadora em Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão no Instituto ClimaInfo

Edição: Daniela Vianna

ClimaInfo, 14 de março de 2023.

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