Mudança climática tornou condições para fogo no Canadá duas vezes mais provável 

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As condições de tempo que levaram aos incêndios extremos no Canadá, entre maio e julho deste ano, se tornaram pelo menos duas vezes mais prováveis devido às mudanças climáticas causadas principalmente pelos combustíveis fósseis. É o que informa um estudo de atribuição realizado por cientistas de universidades e agências meteorológicas do Canadá, Holanda, Reino Unido e EUA e divulgado hoje (22) pela World Weather Attribution.

Estudo de atribuição é a análise capaz de estabelecer relação entre um evento extremo específico e as condições climáticas atuais, em um mundo que foi tornado mais quente. A pesquisa divulgada agora diz ainda que a mudança climática tornou o clima propenso a incêndios cerca de 20 a 50% mais intenso naquela parte do mundo. 

A temporada de incêndios florestais de 2023 está sendo a mais devastadora já registrada no Canadá, com quase 14 milhões de hectares já queimados – uma área maior que a Grécia – quase o dobro do recorde anterior de 1989, de 7,6 milhões de hectares. Pelo menos quatro mortes diretas foram associadas aos incêndios e quase 200 mil pessoas foram evacuadas das áreas afetadas até o momento – o maior número de evacuados por incêndios florestais desde pelo menos 1980. 

A fumaça dos incêndios florestais se espalhou pelo Canadá e pelos EUA, com a baixa qualidade do ar levando ao fechamento de escolas e a um aumento acentuado de atendimentos de emergência relacionados à asma e a outras doenças respiratórias. Os impactos foram sentidos de forma desproporcional pelas comunidades remotas, especialmente os povos indígenas, devido à dificuldade de evacuar os territórios por terra ou por ar.  

 Sem precedentes

A temporada de fogo no Canadá encontrou condições de tempo bastante propícias a incêndios extremos. Maio e junho quebraram o recorde nacional anterior de temperatura alta para o período em 0,8°C. Essas altas temperaturas, combinadas com a baixa umidade e o rápido desaparecimento da cobertura de neve, alimentaram a propagação acelerada dos incêndios em todo país. 

“As palavras ‘sem precedentes’ não fazem justiça à gravidade dos incêndios florestais no Canadá este ano. Do ponto de vista científico, a duplicação do recorde anterior de área queimada é chocante, diz Yan Boulanger, pesquisador da Natural Resources, no Canadá, e membro da equipe do estudo.  

“A mudança climática está aumentando muito a inflamabilidade do combustível disponível para os incêndios florestais, o que significa que uma única faísca, independentemente de sua origem, pode rapidamente se transformar em um inferno em chamas”, completa Boulanger.
 Embora as condições climáticas propensas a incêndios tenham sido sem precedentes, elas não são mais extremamente incomuns. Segundo os pesquisadores, sob o clima atual, espera-se que condições de tempo semelhantes ocorram uma vez a cada 25 anos, o que significa que elas têm cerca de 4% de chance de ocorrer todo ano.

“Em muitas regiões do Canadá, a cobertura de neve limita o início e a extensão da temporada de incêndios”, explica Philippe Gachon, professor da Universidade de Quebec, também integrante da equipe de pesquisa. “Este ano, as altas temperaturas levaram ao degelo rápido e ao desaparecimento da neve durante o mês de maio, especialmente no leste de Quebec, resultando em incêndios florestais excepcionalmente precoces. A perda contínua de neve em um clima quente significa que os incêndios florestais queimarão por muito mais dias a cada ano no Canadá.”

Poucos estudos sobre fogo

Para quantificar o efeito da mudança climática sobre o clima de incêndios, os cientistas analisaram dados meteorológicos e simulações de modelos de computador para comparar o clima atual, após cerca de 1,2°C de aquecimento global desde o final do século XIX, com o clima do passado, seguindo métodos revisados por pares.  

O estudo concentrou-se em uma região da província canadense de Quebec, que registrou um número excepcionalmente alto de incêndios florestais em maio e junho, e usou o Índice de Clima de Fogo (Fire Weather Index, FWI), uma métrica que combina temperatura, velocidade do vento, umidade e precipitação para estimar o risco de incêndios florestais.

Para avaliar o efeito das condições quentes e secas que impulsionaram os incêndios florestais de janeiro a julho, os pesquisadores analisaram o máximo de 7 dias do Índice FWI sobre a região de estudo para avaliar o pico de intensidade do tempo propício a incêndio. Eles concluíram que a probabilidade de ocorrência era duas vezes maior e cerca de 20% mais intensa devido às mudanças climáticas. 

Os cientistas também calcularam a Classificação de Gravidade Diária Cumulativa do Índice FWI e descobriram que a mudança climática tornou as condições climáticas propensas a incêndios pelo menos sete vezes mais prováveis e 50% mais intensas.

“Apenas alguns estudos de atribuição investigaram a influência da mudança climática no clima de incêndios”, explica Clair Barnes, pesquisadora associada do Grantham Institute for Climate Change and the Environment, do Imperial College London.

“Embora o papel da mudança climática em outros eventos climáticos extremos tenha sido bem evidenciado pela ciência da atribuição, as características exclusivas do clima de incêndio em diferentes regiões do mundo significam que os incêndios florestais são mais complicados de estudar”, continua Clair. “No entanto, com base no número limitado de estudos disponíveis, está ficando evidente que as condições secas e quentes propícias aos incêndios florestais estão se tornando mais comuns e mais intensas em todo o mundo.

“O aumento das temperaturas está criando condições semelhantes às de uma caixa de pólvora nas florestas do Canadá”, diz Friederike Otto, professora sênior de Ciências Climáticas do Imperial College London. “Até que paremos de queimar combustíveis fósseis, o número de incêndios florestais continuará a aumentar, queimando áreas maiores por períodos mais longos.”
 

Notas para o Editor

Os autores estão disponíveis para entrevistas, que devem ser solicitadas via assessoria de imprensa do WWA: [email protected]

Autores do Estudo:

 Clair Barnes, Grantham Institute, Imperial College London, UK

Yan Boulanger, Canadian Forest Service, Natural Resources Canada 

Theo Keeping, Leverhulme Centre for Wildfires, Environment and Society, Imperial College London & University of Reading

Philippe Gachon, Université du Québec à Montréal  

Nathan Gillett, Canadian Centre for Climate Modelling and Analysis, Environment and Climate Change Canada

Jonathan Boucher, Canadian Forest Service, Natural Resources Canada

François Roberge, Université du Québec à Montréal 

Sarah Kew, Royal Netherlands Meteorological Institute (KNMI), De Bilt, The Netherlands

Dorothy Heinrich, Red Cross Red Crescent Climate Centre, The Hague, the Netherlands

Maja Vahlberg, Red Cross Red Crescent Climate Centre, The Hague, the Netherlands

Roop Singh, Red Cross Red Crescent Climate Centre, The Hague, the Netherlands

Manon Elbe, Red Cross Red Crescent Climate Centre, The Hague, the Netherlands

Sajanika Sivanu, Red Cross Red Crescent Climate Centre, The Hague, the Netherlands

Julie Arrighi, Red Cross Red Crescent Climate Centre, The Hague, the Netherlands

Maarten van Aalst, Royal Netherlands Meteorological Institute (KNMI), De Bilt, The Netherlands

Friederike Otto, Grantham Institute, Imperial College London, UK


 

ClimaInfo, 22 de agosto de 2023.

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