Carvão fóssil e transição energética justa não combinam

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“Ninguém pode ficar atrás na tarefa de eliminar combustíveis fósseis do planeta”. Talvez essa frase seja o melhor resumo da essência da transição energética justa.

“Ninguém pode ficar para trás na tarefa de eliminar os combustíveis fósseis do planeta”. Talvez essa frase seja o melhor resumo da essência da transição energética justa. A inegável urgência de substituir petróleo, gás fóssil e carvão fóssil por fontes renováveis na matriz energética global precisa também incluir as pessoas, seja garantindo o acesso universal à energia renovável e com preços acessíveis, seja mitigando os impactos sociais e ambientais das grandes centrais renováveis, seja ainda dando àquelas que hoje trabalham na cadeia produtiva da energia suja novas oportunidades de emprego e renda fora desse setor.

Garantir um lugar no mercado de trabalho para quem atua no segmento de combustíveis fósseis requer ações efetivas de governos e empresas para recapacitar e requalificar essas pessoas – isso, sim, é uma transição energética justa. Mas há quem esteja usando esses trabalhadores e trabalhadoras como desculpa para continuar produzindo energia suja. A narrativa, claro, é a de defesa dos empregos. Mas, na prática, a teoria é outra.

Exemplo disso é o Projeto de Lei 4635/2023, apresentado pela bancada do Rio Grande do Sul no Senado, que propõe prorrogar subsídios à indústria do carvão no estado. O projeto é dos senadores Paulo Paim (PT), Hamilton Mourão (Republicanos) e Carlos Heinze (PP). Recebeu emenda do senador Sérgio Moro (União Brasil/PR), a fim de estender os benefícios ao Paraná. E aguarda parecer do relator, senador Esperidião Amin (PP/SC). 

Vale lembrar que Amin é o autor do projeto original da Lei 14299/2022, que criou o “Programa de Transição Energética Justa”. Apesar do nome, o programa foi criado apenas para beneficiar a indústria carbonífera de Santa Catarina. Usando como desculpa a “preservação” dos empregos de trabalhadores e trabalhadoras dessa indústria, a lei estendeu até 2040 os subsídios à quiema de carvão no Complexo Termelétrico Jorge Lacerda (CTJL), que queima carvão fóssil para produzir energia elétrica. 

Inicialmente, o que o PL 4635/2023 propunha era estender esses benefícios para a térmica Candiota-Fase C (UTC-C), no Rio Grande do Sul – usina da Eletrobras comprada recentemente pelo grupo J&F (JBS). Com a emenda de Moro, também entrou no rol de benefícios a Usina Termelétrica de Figueira (UTELFA), no Paraná, da Copel, recém-privatizada. As duas usinas também queimam carvão para gerar eletricidade. 

Além de usar os empregos, os defensores da “transição energética justa a carvão” dizem que a participação dessas usinas na matriz elétrica brasileira é pequena e, logo, sem grande impacto ambiental. Ledo engano. Um levantamento do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) mostra que as termelétricas a carvão fóssil da Região Sul lideraram as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no ano passado na geração elétrica no Brasil. Essas quatro usinas responderam por 35% do total emitido por térmicas a combustíveis fósseis.

Além de ambientalmente catastróficas, as usinas a carvão mineral fóssil pesam no bolso do consumidor brasileiro. A eletricidade gerada por essas termelétricas é uma das mais caras. Se comparada à energia gerada por parques eólicos e solares fotovoltaicos, então, a tarifa do carvão fóssil é de fazer chorar.

Mas, voltemos às pessoas. Há gente trabalhando na indústria carbonífera da Região Sul que precisa de seu emprego e do que ganha com ele. E para resolver essa justa necessidade, tem uma conta que precisa ser feita: custa mais aos governos requalificar e recapacitar imediatamente esse pessoal, criando outras oportunidades de trabalho, ou lidar com o imenso passivo ambiental que a exploração e a queima de carvão fóssil deixa no meio ambiente, inclusive aumentando despesas com saúde pública por causa da poluição do ar? Não parece um cálculo difícil.

A própria Região Sul passou recentemente por eventos climáticos extremos que nunca viu antes, com ciclones extratropicais um atrás do outro, chuvas torrenciais, inundações, deslizamentos, milhares de desalojados, mais de 50 pessoas mortas. Resultado claro da mudança climática que tem como principal causa a queima de combustíveis fósseis como o carvão que se quer beneficiar. Isso é justo? Certamente não.

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Por Alexandre Gaspari, ClimaInfo

 

ClimaInfo, 14 de novembro de 2023.

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(*) Atualizado em 16/11/2023, 14h41.