Relatório aponta larga dependência da indústria da moda dos combustíveis fósseis

1 de agosto de 2024
moda e clima
Criada por IA

Longe de cumprir metas propostas pelo Acordo de Paris, empresas se sentem livres para poluir enquanto se comprometem pouco com descarbonização e redução da hiperprodução.

O Índice Global de Transparência da Moda, da Fashion Revolution, traz uma análise especial chamada “Qual o combustível da Moda?” sobre como a indústria depende dos combustíveis fósseis em todas as fases – desde as fibras sintéticas até a energia utilizada nas fábricas que produzem nossas roupas. Uma avaliação das 250 maiores empresas do setor mostra um cenário preocupante: poucas metas de descarbonização e de transparência e um futuro no qual a indústria sozinha pode ultrapassar o limite de 1,5ºC do Acordo de Paris em 50%.

A moda é uma das indústrias mais poluentes do planeta. As fibras sintéticas, como poliéster, lycra, poliamida, representam 1,35% do consumo global de petróleo – mais do que a Espanha consome desse combustível fóssil em todos os setores econômicos. Até 2030, quase três quartos dos têxteis produzidos serão feitos por meio dos combustíveis fósseis – apenas o poliéster será responsável por 85% desse valor. Nessa projeção preocupante, o relatório analisa como as maiores empresas do setor divulgam suas políticas, práticas e impactos relacionados com o clima e a energia.

As marcas analisadas têm um faturamento anual de mais de US$ 400 milhões, atuam no segmento de high street, luxo, roupas esportivas, acessórios, calçados, jeans e estão distribuídas em todos os continentes menos América Central e Oceania. 

Das 250 empresas analisadas, 91 pontuaram de 10% para menos, entre elas: Forever21, Reebok, Tom Ford, Quiksilver, Savage x Fenty. As 13 marcas mais bem avaliadas variam de 49% (Adidas, Hermès) a 74% (Gucci) e 75% (Puma). 

A transparência é medida de acordo com a divulgação pública dos dados. Por meio deles, é possível conhecer a cadeia de abastecimento e ajudar a identificar pontos críticos. Sabe-se, por exemplo, que as empresas divulgam mais sobre o Escopo 1, que engloba as emissões relacionadas diretamente às suas operações – como instalações com as quais as marcas têm relação direta, que normalmente fazem o corte, costura e acabamentos finais dos produtos – do que com o Escopo 3, que inclui os fornecedores de matérias-primas. 

Malharias, tecelagem, fiação, bordados, impressão, acabamento, tinturas, curtumes são exemplos do Escopo 2. Enquanto 34% das marcas disponibilizam informações sobre o Escopo 1, apenas 6% divulgam as fibras, produtos ou serviços ligados à matéria-prima. 

A falta de transparência sobre a produção dá margem à hiperprodução de peças altamente poluentes: a maioria das marcas (89%) não divulga a quantidade de roupas fabricadas a cada ano, e quase metade (45%) não divulga a pegada de carbono das matérias-primas. “Isso é importante porque metade das grandes marcas de moda não falam 1) quanto estão ganhando; e 2) quanto de emissão estão gerando no processo da confecção”, alerta o relatório. Apenas 1% das marcas analisadas têm compromisso com o decrescimento da produção.

Falta de metas e compromissos

O relatório salienta que desde que o Fashion Revolution começou a defender a transparência na indústria, há mais de uma década, houve avanços significativos. Mas as áreas da cadeia de abastecimento com maior utilização de energia continuam a ser as mais opacas. 

Enquanto 58% das marcas não mostram nenhum progresso claro em suas metas climáticas, 9% apenas publicam metas alinhadas ao Acordo de Paris a curto prazo, de cinco a dez anos, e de longo prazo, 2040-2050. Quanto à eliminação do uso do carvão, 86% não possuem metas públicas, enquanto somente 6% divulgam metas de energia renovável para a cadeia de abastecimento. 

Quase metade das empresas (47%) publica compromissos mensuráveis e com prazo determinado para a descarbonização dos Escopos 1 a 3. Mas o número cai para menos de 1% quando o assunto é eletrificar todos os processos de uso intensivo de energia na fabricação de vestuário. A maior parte da indústria não divulga metas de transição energética, ou seja, da troca pela energia renovável e eletricidade renovável para suas cadeias de fornecimento. 

O documento aponta que “uma meta de eletricidade renovável sem uma meta de energia renovável significa que apenas a eletricidade utilizada pela empresa é proveniente de recursos renováveis, enquanto outras formas de energia, como aquecimento, refrigeração e combustíveis para transporte, podem ainda depender de combustíveis fósseis”. Portanto, uma cadeia com 100% de eletricidade de fonte renovável não significa uma cadeia livre de combustíveis fósseis.

O poluidor deve pagar

Enquanto lucram milhões de dólares por ano, as maiores marcas de moda contribuem para as mudanças climáticas e para a degradação da condição de vida de seus principais trabalhadores, que estão no Sul Global. A necessidade de uma mudança sistêmica é possível e inegável, afirma o relatório.

Para atingir esse fim, entre as diversas soluções sugeridas, estão: abandono da cadeia do carvão e dos combustíveis fósseis para fontes renováveis de energia, como solar e eólica, para reduzir sua pegada de carbono; redução da produção de roupas; minimização do uso de frete aéreo; e eliminação progressiva da utilização de materiais sintéticos. Além disso, o relatório “apela às grandes marcas de moda para que invistam pelo menos 2% das suas receitas anuais numa transição justa para longe dos combustíveis fósseis”, reforça.

A divulgação de dados da cadeia produtiva e a definição clara de metas climáticas é essencial para impulsionar a responsabilidade das empresas do setor. A ausência desses fatores é como navegar em uma tempestade sem bússola. Ela já está aqui, não podemos deixar que piore. Outro futuro é possível, basta uma ação coletiva, juntamente com a indústria e a vontade pública.

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Por Juliana Aguilera, jornalista no ClimaInfo.

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ClimaInfo, 1º de agosto de 2024.

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