Decreto do governo que busca aumentar oferta de gás fóssil no país deixa brecha para produção por uma técnica com imenso impacto ambiental e social.
Expectativa: com o lançamento da Política Nacional de Transição Energética (PNTE), o governo mostraria, enfim, a que veio no necessário e urgente processo de substituir os combustíveis fósseis por fontes renováveis de energia. Afinal, muito se fala em “transformação ecológica”, “economia verde”, mas sem uma política efetiva para eliminar petróleo, gás e carvão, ampliar energia eólica e solar e descarbonizar processos industriais.
Realidade: a reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para anunciar a PNTE, com a presença do presidente Lula, teve como principal destaque medidas de estímulo ao aumento da oferta de gás fóssil no mercado brasileiro. Sob as bênçãos do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, fervoroso entusiasta dos combustíveis fósseis para “financiar a transição”. Resumindo: um conserto pior que o enguiço.
E como se já não bastasse as determinações que vão “sujar” ainda mais a matriz energética brasileira com mais gás fóssil, o decreto que estimula esse combustível deixou no ar uma possibilidade ainda pior. Embora não escrito literalmente no texto, a menção a “energéticos equivalentes” parece ser um sinal verde para explorar gás não-convencional no Brasil. Ou seja, mais combustíveis fósseis, cuja queima é a principal responsável pelas mudanças climáticas, num país que sofre com incêndios destruidores e secas históricas, sem falar nas recentes enchentes no Rio Grande do Sul – fenômenos agravados pela crise climática.
Mas o que é o “gás não-convencional”? Em termos de emissões de gases de efeito estufa, ele é tão poluente quanto aquele produzido habitualmente, em muitos casos junto com o petróleo. Mas o que piora – e muito – a “sujeira” do gás não-convencional é o método para sua produção: o fracking, ou fraturamento hidráulico.
O fracking é um método de exploração que, para extrair combustíveis fósseis, “fratura” rochas em camadas profundas do solo impregnadas de petróleo e gás. Para isso, uma mistura de água, areia e produtos químicos é injetada nos poços a alta pressão. Essa mistura, conhecida como “fluido de fraturamento ou fracking”, gera “explosões” que quebram a rocha.
Resumindo: o fracking utiliza muita água e muitos produtos químicos prejudiciais à saúde humana. A água utilizada, contaminada por esses produtos químicos, retorna à superfície e é armazenada em tanques. Derramamentos e vazamentos de fluido de fracking, poços construídos de forma inadequada e a má gestão dessas águas residuais podem contaminar a água potável e o solo. Sem falar na possibilidade de vazamento de gás, notadamente metano, que é 80 vezes mais potente que o CO2 como gás de efeito estufa.
É uma técnica tão perigosa, com um risco ambiental e social tão grande, que diversos países do mundo, como Alemanha, França e Reino Unido, proibiram seu uso. No Brasil, alguns estados, como Paraná e Santa Catarina, criaram leis banindo o método em seus territórios. A Bahia também avalia proibir o fracking.
No Maranhão, a Eneva, que já produz gás fóssil no estado, inclusive em áreas próximas a Terras Indígenas e Quilombolas, defende o uso da técnica. A pressão da petroleira fez com que movimentos sociais lançassem a cartilha “Boas energias: Maranhão sem fracking”, explicando de forma didática e simples o que é o fraturamento hidráulico e quais os seus riscos para o meio ambiente e as comunidades.
Mas, enquanto isso, o governo federal finge que proibir o fraturamento hidráulico no país não é com ele. Essa indefinição, inclusive, motivou o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), a vetar uma lei, aprovada pela assembleia legislativa do estado, contra a prática. O argumento de Mendes: o projeto “usurpava” uma competência da União, que é a de regular o setor energético nacional.
Para piorar, o ministro Alexandre Silveira [sempre ele] é um árduo defensor do fracking. Mesmo reconhecendo os imensos impactos ambientais e sociais da técnica, Silveira acha que é só estabelecer compensações ambientais que tudo se resolve. Sujou? Limpa? Como se descontaminar lençóis freáticos e terras agricultáveis fosse feito num estalar de dedos.
A manutenção, pelo atual governo, do edital “Poço Transparente”, lançado em 2022 para estimular a exploração de gás não-convencional, já não era um bom sinal, mesmo com a concorrência não saindo do lugar. Agora, com o decreto pró-gás fóssil, o risco de a técnica ser autorizada aumenta consideravelmente.
Em junho, a Coalizão Energia Limpa lançou o relatório “Regressão energética: como a expansão do gás fóssil atrapalha a transição elétrica brasileira rumo à justiça climática”. O documento mostra como os planos de implantar mais termelétricas à base do combustível fóssil não apenas “suja” a matriz elétrica nacional como aumenta o preço da eletricidade para o consumidor. Sem falar no agravamento das mudanças climáticas, já que é a queima de combustíveis fósseis como o gás sua principal causa.
Agora, com uma porta se abrindo para o gás não-convencional, a regressão pode ser ainda pior. Para um país que preside o G20 neste ano, vai sediar a COP no ano que vem e quer ser um líder da agenda climática global, é um péssimo sinal.
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Por Alexandre Gaspari, jornalista no ClimaInfo.
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ClimaInfo, 29 de agosto de 2024.
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