Invasões avançam no Oiapoque à espera do petróleo na foz do Amazonas

Enquanto ocupação desordenada avança na cidade, Lula vai ao Amapá com Alcolumbre, em mais um sinal de apoio à exploração de combustíveis fósseis na região.
11 de fevereiro de 2025
(Ricardo Stuckert/PR)

A história brasileira é marcada por grandes migrações de populações de estados mais pobres em busca de oportunidades de emprego e renda. Foi assim durante a industrialização do país, concentrada no Sudeste, e com grandes obras de infraestrutura, notadamente na ditadura militar de 1964-1985, que provocaram o deslocamento de milhares de pessoas em busca de uma vida melhor. Foi assim com Belo Monte, por exemplo.

O mesmo vale para os combustíveis fósseis. Aos primeiros sinais de que uma cidade ou região pode ser uma província petrolífera, muitos rumam para essas áreas à procura do seu “naco” de riqueza. Mas a grande maioria encontra a mesma pobreza de antes. A produção de petróleo é uma atividade altamente especializada, com bons salários para poucos especialistas. De resto, o que sobra são empregos com baixa remuneração, subempregos e “bicos”. Sem falar nas moradias precárias e na infraestrutura deficiente, que não suporta o aumento populacional.

As cidades do norte do Rio de Janeiro, Macaé em particular, são o exemplo mais evidente disso. Mas a situação agora se repete em Oiapoque, no norte do Amapá. Com o pedido de licença feito pela Petrobras para perfurar um poço no bloco FZA-M-59, na foz do Amazonas, e com o alarde feito por políticos locais e também pela ala do governo pró-petróleo que não cansam de falar da existência de grandes reservas na região – sem qualquer prova de que isso procede, vale ressaltar –, a migração desenfreada para a cidade continua à toda. E repete o mesmo padrão de precariedade já visto.

Vinicius Sassine, da Folha, esteve na região em julho de 2024, quando a reportagem percorreu as bordas do Cabo Orange e comunidades indígenas dispostas em rios distintos do rio Oiapoque. Já naquela época, o jornalista constatou que ocupações aumentaram exponencialmente no ambiente urbano e ao longo de estradas que levam ao aeroporto da cidade.

As principais ocupações eram Areia Branca e Nova Conquista. Agora, porém, existem outras ocupações em expansão, que avançam por áreas de floresta e que se conectam a bairros já existentes, segundo profissionais que acompanham as movimentações em Oiapoque decorrentes do petróleo. Eles comparam o cenário aos casos da hidrelétrica de Belo Monte e da cidade de Novo Canaã, polo de mineração, ambas no Pará.

Mas, ao invés de evitarem a precarização já em curso, a classe política bota mais lenha na fogueira dos combustíveis fósseis. Sem ter qualquer certeza de que há petróleo em quantidade aproveitável na foz do Amazonas, vendem a falácia da “riqueza” para as pessoas. Sem falar na ocultação premeditada dos efeitos da atividade petrolífera na vida das comunidades, tanto pelos imensos riscos ambientais como pelos sociais.

A prova disso veio na semana passada, quando o presidente Lula prometeu ao novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que iria “destravar” a licença do IBAMA para a Petrobras. Lula voltou a vincular a produção de petróleo à necessidade de recursos para a transição energética, outra falácia. E por mais que falasse que a perfuração no FZA-M-59 só pode ocorrer “com todas as garantias” ambientais, não escondeu que ela vai acontecer. Tendo ou não tais garantias, já que a pressão política só faz aumentar.

Não à toa Lula vai nesta 5ª feira (13/2) ao Amapá com Alcolumbre. A princípio, a viagem se dará para a inauguração de obras do Novo PAC no estado, informam Estadão e Folha PE. Mas as conversas também envolvem a liberação da exploração de combustíveis fósseis na foz, lembra o Estado de Minas.

Em conversa com Natuza Nery no podcast O Assunto, a coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima (OC), Suely Araújo, reitera o imenso equívoco da exploração de mais petróleo. Sobretudo quando o mundo bate sucessivos recordes de temperatura, inclusive com a incidência de La Niña, que costuma resfriar o planeta. Justificar alegando que os combustíveis fósseis não são a principal fonte das emissões brasileiras é ignorar que os gases de efeito estufa não ficam “presos” a fronteiras nacionais.

“Mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa no mundo vêm da queima dos combustíveis fósseis. No Brasil, 46% das emissões vêm do desmatamento. Mas o petróleo, no mundo, é o vilão do aquecimento global! E esse petróleo que iremos explorar, se isso for concretizado, vai queimar em algum lugar. E não existe petróleo sustentável! Expandir produção de petróleo em plena crise climática, justificando com transição energética, é inaceitável! Não dá para carbonizar a nossa matriz energética em plena crise climática. Para um país que quer ser um líder climático é uma opção absolutamente equivocada!”

Numa perspectiva global, a fala de Suely é reiterada por Nicola Pamplona na Folha. Ele menciona o recuo das petroleiras Equinor, BP e Shell em seus investimentos em fontes renováveis de energia e o aumento dos recursos para combustíveis fósseis. Sob uma falsa justificativa de segurança energética, agora “propagaiada” por Donald Trump, essas empresas ignoram [mais uma vez] o agravamento das mudanças climáticas que provocam.

“Durante a pandemia, a economia foi usada por governos negacionistas – como o de Jair Bolsonaro, no Brasil – em oposição a protocolos de segurança para evitar a contaminação por COVID-19. ‘Fique em casa, a economia a gente vê depois’, zombavam. Do alto de seus bônus milionários, inflados pela escalada de preços que dizem querer combater, os executivos do petróleo repetem o raciocínio, ao desconsiderar todos os alertas sobre o papel da queima de fósseis nas tragédias e decidir com base apenas em um suposto ganho econômico”, concluiu Pamplona.

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