
Um novo estudo que deve ser apresentado na próxima Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30) pretende iniciar um debate importante entre os governos que se reunirão em Belém (PA) em novembro – quais países devem puxar a fila da transição para um mundo sem combustíveis fósseis. A ideia é propor critérios que facilitem essa transição de forma “justa, ordenada e igualitária”, como destacou a Folha.
Elaborada pela consultoria Catavento, o estudo é fruto de uma parceria curiosa entre o Instituto Clima e Sociedade (iCS), um dos principais atores na discussão sobre ação climática no Brasil, e o Instituto Brasileiro do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), entidade setorial que representa as empresas de combustíveis fósseis. O estudo parece mostrar o interesse do setor de óleo e gás em participar da discussão, a despeito do pouco entusiasmo em liderá-la.
O estudo classifica os países que devem encabeçar o fim da energia fóssil de acordo com cinco critérios: a dependência das receitas do petróleo; a competitividade da produção; a segurança energética; o perfil das emissões de gases de efeito estufa (GEE); e a resiliência institucional de cada país. A partir disso, os países são distribuídos em três grupos: líderes, seguidores e vulneráveis.
Os países líderes possuem baixa dependência das receitas petrolíferas, competitividade do setor de óleo e gás, maior segurança energética, histórico de elevadas emissões e segurança institucional. Neste grupo, estariam países como Alemanha, China, Estados Unidos e Canadá. A eles caberia a missão de liderar o fim do consumo de energia fóssil.
O Brasil figuraria entre os países seguidores – economias que estão em uma condição intermediária nessa classificação. A transição para além dos combustíveis fósseis seria um pouco mais lenta nestas nações, com a possibilidade da produção e do consumo desse tipo de energia persistir por mais tempo em comparação com os países líderes.
Já os países vulneráveis, com maior dependência do petróleo, competitividade elevada na produção, baixas emissões, transição energética e resiliência institucional mais frágeis, ficariam no final da fila. A lista incluiria países como Arábia Saudita, Índia e Nigéria.
O estudo tenta injetar realismo e concretude a uma discussão que tem sido abstrata. Depois da declaração final da COP28 de Dubai, em 2023, incluir um compromisso dos países para “se distanciar dos combustíveis fósseis”, o texto conclusivo da COP29 de Baku, no ano passado, solenemente ignorou o assunto. De lá para cá, a pressão para enfraquecer a discussão deste assunto aumentou, capitaneada pelo lobby petrolífero cada vez mais presente nas negociações climáticas.
Por outro lado, a proposta traz pontos problemáticos para quem defende a urgência do fim da queima de combustíveis fósseis. Além de dar argumentos para novos investimentos em fontes fósseis – caindo como luva na mão do governo brasileiro em pleno debate sobre a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas – os critérios deixam um dos maiores produtores de petróleo do mundo, a Arábia Saudita, no fim da fila da transição.
Em tempo: Um outro estudo também classifica o Brasil como país intermediário, mas com o dever de eliminar a produção e a queima de petróleo já em 2034. No paper Principles for just and equitable oil and gasphase out, a Strategic Perspectives considera critérios assemelhados e busca alinhar o phase-out com os objetivos do Acordo de Paris.