
“O que a gente viu desde que conseguimos, na COP28, finalmente falar que vamos transitar para o fim de combustíveis fósseis de maneira ordenada, justa e equitativa, é que, apesar dos países estarem com o pé no acelerador para energias renováveis, eles também continuam com o pé no acelerador dos combustíveis fósseis.”
A análise é da diretora-executiva da COP30, Ana Toni. Em entrevista à Agência Pública, ela falou sobre os desafios e expectativas para a conferência do clima em Belém, cujo tema central são as novas metas climáticas (NDCs) dos países. Mas reconhece as dificuldades de debater um cronograma para eliminar os combustíveis fósseis e acelerar a transição energética global.
“A demanda por energia no mundo está crescendo muito. Então, os países parecem não poder ou não querer fazer escolhas. Mas precisamos sim começar a conversar quando tem uma substituição [dos combustíveis fósseis]. A emergência climática está aí; então, se a gente fala de segurança energética, tem que falar também de segurança climática, e a gente já passou do nível de insegurança climática razoável para a Humanidade. Então, temos que tratar de ambos”, explicou.
A demanda energética global tem sido impulsionada principalmente pela expansão da inteligência artificial. Por isso, a CEO da COP30 defende a inclusão das Big Techs nas negociações sobre como gerar mais eletricidade para sustentar data centers e, ao mesmo tempo, cortar a emissão de gases de efeito estufa que alimentam a crise climática, destaca o Um só planeta.
No Valor, Daniela Chiaretti destacou a falsa dicotomia entre segurança energética e transição para fontes renováveis que vêm ganhando força no debate sobre energia nos últimos meses. Essa distorção se intensificou com a volta de Trump ao poder nos EUA e, por mais que não seja evidenciado pelos atores políticos, é um problema nas discussões atuais sobre clima.
“NDCs e COP30 são, portanto, um falso debate. O que realmente está agitando o tabuleiro é a noção diferente que países têm sobre segurança energética. Para o Reino Unido, na administração do trabalhista Keir Starmer, por exemplo, segurança energética tem tudo a ver com aumentar a participação das energias renováveis na matriz e depender menos da geopolítica dos combustíveis fósseis. Para o governo de Donald Trump, segurança energética é perfurar o máximo possível de petróleo.”
Na conclusão de sua análise, Daniela lembra o que os líderes mundiais que estarão em Belém parecem esquecer: “a queima de combustíveis fósseis é o que causa a crise climática. É isso que a COP30 tem que abordar”.
Em tempo: Em entrevista à Folha, Thelma Krug, ex-vice-presidente do IPCC, disse que Acordo de Paris já estava fragilizado mesmo antes da saída dos Estados Unidos, e que o momento atual, com a guerra da Ucrânia e as tensões provocadas por Trump, dificulta ainda mais seu fortalecimento: “São duas guerras: uma seria a guerra bélica, que pode ser travada com armamentos. A outra é uma crise climática que as armas não vão combater. São duas guerras. Só que uma passou a ter uma importância maior, talvez até para a própria população.”