Plásticos: milhares de substâncias perigosas ameaçam a saúde e a reciclagem

É preciso dar transparência e assegurar a rastreabilidade dos contaminantes em plásticos.
19 de maio de 2025
  • Zuleica Nycz*

A crise global causada pela poluição dos plásticos é evidente, pois a capacidade dos países de lidar com o rápido aumento da produção de produtos plásticos e de seu descarte no meio ambiente é muito menor. Diante disso, os países membros da ONU decidiram iniciar a negociação do futuro Tratado sobre a Poluição dos Plásticos, incluindo o Ambiente Marinho, em 2022.

A complexidade das substâncias perigosas presentes nos plásticos representa a principal barreira para o desenho e operacionalização responsável de uma economia circular segura desses materiais.  Isso porque os plásticos são uma combinação de carbono e substâncias químicas, muitas das quais feitas de combustíveis fósseis (óleo e gás), que podem ser muito perigosas.  Esses aditivos fornecem diferentes propriedades aos variados tipos de materiais plásticos vendidos em todo o mundo. 

Recentes estudos independentes apontam a presença de mais de 16 mil substâncias químicas em plásticos, sendo que 4.200 (25%) são conhecidamente perigosas para a saúde humana, identificadas como substâncias de preocupação. O estudo revela que faltam dados essenciais que permitam uma avaliação e gestão apropriadas para cerca de 10 mil substâncias entre aquelas encontradas.

Desde que a negociação do Tratado começou, a questão da toxicidade dos materiais plásticos e dos microplásticos vem sendo discutida com maior profundidade. Para controlar a presença de contaminantes nos plásticos, é preciso garantir aos governos o acesso às informações sobre as substâncias químicas adicionadas aos materiais, a fim de promover um banco de dados global e viabilizar a rastreabilidade.

Portanto, a criação de um mecanismo global de transparência e rastreabilidade das substâncias tóxicas presentes nos materiais plásticos virgens, reciclados ou descartados no ambiente, é uma demanda que interessa, sobretudo, aos países que pretendem controlar essa fonte de poluição.

Afinal, desde 1988, mais de 250 milhões de toneladas de resíduos plásticos foram exportadas em todo o mundo, sendo um terço das exportações originado dos EUA, Japão e Alemanha, e a grande maioria exportada para a China, que recentemente baniu as importações para proteger seu meio ambiente e a saúde humana.  Para dados mais realistas, é preciso acrescentar os volumes exportados clandestinamente, que podem ser bastante expressivos.

Isso resultou no aumento das exportações para os países do Sul Global, onde a gestão do resíduo plástico é muito deficiente e os resíduos contaminados acabam indo para o ambiente, liberando poluentes para a água, ar e solo. 

A crise do plástico deve ser enfrentada com uma estratégia holística que assegure soluções desde o início da cadeia, reduzindo a produção e o consumo de plástico virgem e banindo as exportações globais de resíduos plásticos.  Um pacote de medidas vinculantes para solucionar esses problemas e controlar a circulação de contaminantes é necessário quando se pensa em economia circular segura. 

O conhecimento de quais são as substâncias tóxicas presentes nos plásticos é crucial para prevenir as violações dos direitos humanos e ambientais que resultam da exposição descontrolada a esses químicos. Uma vez que essa informação é frequentemente indisponível ou inacessível, os fornecedores dessas substâncias e aqueles que colocam materiais plásticos no mercado devem divulgar a composição e os dados de perigos, quando aplicável, para todos os usuários da cadeia.

As substâncias químicas tóxicas migram dos artigos de plásticos para o meio ambiente e para organismos vivos, atravessando todo o seu ciclo de vida, indo parar nos materiais resultantes da reciclagem e nos microplásticos dispersos em todo o globo terrestre.  Tais materiais contaminados acabam sendo utilizados para a fabricação de novos produtos e artigos, como brinquedos e embalagens, inclusive as embalagens usadas em contato com alimentos, impactando a saúde da população e dos trabalhadores que atuam nessa cadeia. Os fetos e as crianças são particularmente afetados devido à maior vulnerabilidade de seus pequenos organismos aos efeitos prejudiciais das substâncias, mesmo em quantidades muito pequenas. 

Se há consenso de que a gestão do plástico deve abordar todo o seu ciclo de vida, então as substâncias químicas de preocupação ali presentes devem ser conhecidas e um mecanismo de rastreamento deve ser implementado, para que o desenvolvimento de materiais plásticos mais seguros e sustentáveis se baseie em informações completas e regulações nacionais rigorosas.  

Como funciona o Mecanismo de Transparência e Rastreabilidade

Um mecanismo global de transparência e rastreabilidade usa um suporte de dados na cadeia de valor do plástico, que varia entre marcadores físicos e químicos.  Podem ser tintas luminescentes, códigos de DNA sintético, códigos de barras, códigos QR, chips de identificação de radiofrequência e marcas d´água. Eles têm em comum sua capacidade de se conectarem a um banco de dados global que reúna as informações sobre a composição química dos materiais e produtos individualmente, baseados em um identificador exclusivo de produtos.  Considerando que pode haver controvérsias técnicas em relação a alguns tipos de suporte de dados, a forma mais simples e segura é a marca d ‘água, que não altera os plásticos quimicamente e podem ser lidas por leitores ópticos (estáticos ou móveis).  De todo modo, todos os suportes de dados são úteis para diferentes finalidades e podem ser combinados para aplicações em um mesmo item de plástico. 

As marcas d ‘água parecem ser mais promissoras pois elas podem ser lidas em superfícies de fragmentos de plásticos.  No entanto, os suportes de dados são destruídos quando os resíduos plásticos — que podem ser reciclados, uma minoria — são desintegrados ou picados ao serem preparados para a reciclagem.  Por esse motivo, é crucial que o conteúdo químico dos produtos esteja listado em um banco de dados para facilitar a tomada de decisão das autoridades reguladoras e dos usuários da cadeia do plástico.

Os benefícios trazidos por este mecanismo global de transparência e rastreabilidade das substâncias químicas presentes em plásticos compreendem o acesso a todas as informações sobre as substâncias presentes nos produtos importados, exportados, usados, produzidos, descartados, reusados e reciclados nos países. Com base nessas informações, os governos podem criar ou alterar as suas regulações existentes, por exemplo, priorizando as substâncias de preocupação e integrando a transparência e a rastreabilidade na construção de políticas públicas de meio ambiente e saúde pública. 

É importante que o mecanismo seja consistente em nível global, isto é, esteja estabelecido no Tratado para que os padrões nacionais sejam comparáveis entre países e facilitem as medidas aduaneiras, aplicando-se inclusive para outros acordos multilaterais químicos.  

Com esses procedimentos estabelecidos para todas as Partes, os revendedores terão todas as informações simplesmente escaneando os dados por meio de um aplicativo no celular e, com base neles, poderão tomar decisões informadas sobre as compras dos produtos e como deve ser a gestão dos seus respectivos resíduos.

Os consumidores, que terão o mesmo nível de acesso às informações, poderão tomar decisões informadas sobre os cuidados que devem ser tomados, tanto ao consumir os produtos como ao descartá-los e, consequentemente, melhor proteger a sua saúde e o meio ambiente.

As empresas que fornecem e detêm o conhecimento das características dessas substâncias devem cumprir as decisões nacionais, inserindo as informações completas sobre as substâncias colocadas nos materiais, componentes e produtos individuais de plástico no banco de dados global. 

A harmonização global das regras também ajuda a eliminar barreiras no mercado internacional. O Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT) da Organização Mundial do Comércio (OMC) reconhece a importância de evitar entraves desnecessários, encorajando o uso de padrões internacionais para facilitar as trocas globais. Os requisitos de transparência e rastreabilidade atendem o TBT, uma vez que são fundamentais e necessários para a tomada de medidas globais e nacionais de controle.

É crucial que o texto do Tratado assegure que as substâncias químicas de preocupação presentes no plástico virgem sejam controladas e não recirculem no ciclo de vida dos plásticos, estabelecendo regras mínimas globalmente harmonizadas, sem ambiguidade. Com base nesse mecanismo, os países implementarão regras de produção e consumo em consonância com os regulamentos da OMC, estabelecendo um nível de segurança para as pessoas e para o meio ambiente, apoiando a economia circular e facilitando o comércio. 

* Designer de produto, especialista em Metodologia da Ciência, conselheira titular no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), representante titular da Sociedade Civil na Comissão Nacional de Segurança Química (CONASQ) desde 2010. Representa a TOXISPHERA nas negociações do tratado sobre a Poluição dos Plásticos, inclusive no Ambiente Marinho. Pela TOXISPHERA, faz parte da Coalizão Vida Sem Plástico, que reúne organizações do terceiro setor pelo compromisso de enfrentar a crise global da poluição plástica.

Continue lendo

Assine Nossa Newsletter

Fique por dentro dos muitos assuntos relacionados às mudanças climáticas

Em foco

Aprenda mais sobre

Glossário

Este Glossário Climático foi elaborado para “traduzir” os principais jargões, siglas e termos científicos envolvendo a ciência climática e as questões correlacionadas com as mudanças do clima. O PDF está disponível para download aqui,
1 Aulas — 1h Total
Iniciar