
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) enviará até novembro estudos complementares ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o projeto da Ferrogrão, ferrovia prevista para ser construída entre Mato Grosso e o Pará. Após análise da corte, o passo seguinte é publicar o edital do leilão da ferrovia, o que deve ocorrer em 2026.
A previsão foi dada pelo diretor-geral interino da ANTT, Guilherme Sampaio. Ele participou na semana passada de um evento sobre ferrovias da Confederação de Agricultura e Pecuária (CNA) e Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), informam Folha e Agência Infra.
Na entrada do evento, indígenas Kayapó da Terra Indígena Baú de Novo Progresso (PA), e Panará da TI Panará de Guarantã do Norte (MT), protestaram contra a Ferrogrão, relata a Veja. Eles integraram o grupo de trabalho do Ministério dos Transportes para discutir o projeto, mas se retiraram do processo. Reclamam do traçado passar próximo a seus territórios e da dificuldade de diálogo com órgãos responsáveis.
Em julho, o Instituto Kabu, representando 18 comunidades indígenas Kayapó e Panará, ingressou com uma ação civil pública contra a ANTT, alegando que o processo de concessão da ferrovia foi conduzido sem a devida consulta aos Povos Originários. As entidades também pedem uma indenização por dano moral coletivo de R$ 1,7 bilhão – o projeto é avaliado em R$ 34 bilhões.
Coincidentemente ou não, o seminário da CNA e da ABIOVE ocorreu poucos dias antes do presidente Lula publicar seus 63 vetos ao PL da Devastação (2.159/2021). Lula tirou do texto a Licença Ambiental Especial (LAE), mas a incluiu modificada numa medida provisória. Com a LAE, a Ferrogrão poderá ser avaliada como “estratégica” pelo conselho governamental e terá direito ao “licenciamento express” de um ano.
A ferrovia enfrenta resistências devido a seus impactos socioambientais, e teve o lançamento de seu edital e leilão adiados inúmeras vezes por vários governos. Seu traçado de 940 km, entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), corta áreas de alta sensibilidade socioambiental. O projeto enfrenta disputa judicial, técnica e política opondo comunidades indígenas e especialistas em clima e meio ambiente de um lado, e o governo federal do outro.
O governo federal ainda aguarda a manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF) para seguir com o projeto incluído no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lembra O Globo. A Ferrogrão foi questionada na Corte pelo PSOL por cortar o Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, e também por seu impacto sobre Terras Indígenas.
Estadão e Poder 360 também noticiaram o cronograma da ANTT para a Ferrogrão.
Em tempo: O linhão de transmissão de energia elétrica entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR) segue o curso da rodovia BR-174 e tem seu ponto mais importante e delicado ao cruzar a Terra Indígena Waimiri Atroari, onde vive o Povo Kinja. Serão erguidas 237 torres no território, algumas com quase 100 m de altura, por 122 km de extensão. Grandes empreendimentos da ditadura militar tocados sem qualquer consulta ao Povo Kinja, como a própria BR-174 e a hidrelétrica de Balbina, quase dizimaram aquela população. Por isso os indígenas resistiram ao projeto, o que paralisou as obras por anos. Agora assumiram protagonismo real na fiscalização das obras, monitorando os passos de pessoas estranhas ao lugar e propondo alterações de rota, quando possível, um modelo de gestão não visto em outros projetos na Amazônia, segundo a Folha. "A gente sofreu muita ameaça no começo dos estudos, pois diziam que a gente era um obstáculo, que atrapalhava. O que a gente queria era entender. E, se o linhão passaria aqui, então era preciso ouvir o povo do local", contou Marcelo, um dos coordenadores da equipe de fiscalização dos indígenas.



