
A licença do IBAMA para o poço Morpho, que a Petrobras vai perfurar no bloco FZA-M-59 na Foz do Amazonas, foi dada 20 dias antes da COP30, a primeira conferência do clima a ser realizada na Amazônia. A contradição não passou em branco. Minimizando a cobrança, o presidente Lula disse que há uma “celeuma” no Brasil sobre a exploração de petróleo e gás fóssil na região e que “não é possível ninguém abrir mão do combustível fóssil de um dia para a noite. É preciso construir o fim da utilização do combustível fóssil”.
A poucos dias da conferência e de sua cúpula de líderes, cabe perguntar a Lula: o Brasil proporá aos países a construção desse “fim da utilização do combustível fóssil”? Afinal, no final de 2023, na COP28, em Dubai, Lula conclamou as nações a avançarem na eliminação de petróleo, gás fóssil e carvão, em seu discurso na sessão de abertura.
“O mundo já está convencido do potencial das energias renováveis. É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis. Temos de fazê-lo de forma urgente e justa”, disse o presidente na ocasião.
A fala de Lula, contudo, acabou na linha do “faça o que eu digo, mas não o que eu faço”. Já em Dubai, há dois anos, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou a adesão do Brasil à OPEP+, cartel que reúne os petroestados. Segundo Lula, o movimento seria para “convencer” os países do cartel a abandonar os combustíveis fósseis.
Poderíamos até ter boa vontade com Lula, não fosse pelo fato de, entre a COP28 e a COP30, o presidente ter engrossado a pressão política sobre o IBAMA pela licença para a Petrobras perfurar um poço de petróleo e gás na Foz do Amazonas. Enquanto repetia que “tudo seria feito com todo o cuidado ambiental” e elogiava a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, Lula também criticava a suposta demora do órgão ambiental em autorizar a atividade.
Se avançou no petróleo, o Brasil parou na elaboração do Plano Nacional de Transição Energética (PLANTE). Somente uma semana antes da COP30 aconteceu a primeira reunião do Fórum Nacional de Transição Energética (FONTE), que reúne integrantes de governo, sociedade civil e empresas para estabelecer premissas para o plano. Que está sob a responsabilidade da pasta de Alexandre Silveira, que defende com unhas e dentes a exploração de petróleo no Brasil “até a última gota”.
Dois anos se passaram entre Dubai e Belém. As emissões de gases de efeito estufa do planeta continuaram subindo e batendo recordes nesse período, alimentadas sobretudo pela queima de combustíveis fósseis, a principal causa das mudanças climáticas. O secretário-geral da ONU, António Guterres, admitiu recentemente que já é inevitável o aquecimento global a 1,5ºC, limite combinado há 10 anos, no Acordo de Paris.
A urgência da transição energética mencionada por Lula em seu discurso em dezembro de 2023 está mais do que dada. Logo, é mais do que necessário que o presidente coloque na mesa de negociações da conferência do clima da Amazônia um caminho para que o transition away proposto em Dubai volte para a declaração final da COP, já que desapareceu da edição passada, em Baku, no Azerbaijão. Mas, como a própria presidência brasileira da COP30 vem repetindo incansavelmente, não bastam palavras: é preciso ação e implementação.
O Brasil, felizmente, chegará a Belém com parte de seu dever de casa cumprido, como mostram os recentes números do desmatamento, que vêm caindo graças às ações do governo federal. Mas para o clima pouco adianta cortar emissões de um lado, evitando o desmate, e jogar mais gases de efeito estufa na atmosfera apostando na expansão da exploração de petróleo e gás. Ainda mais quando essa expansão foca a Amazônia, que deveria ser decretada como uma zona de proteção, sem atividade petrolífera.
Cabe a Lula propor às nações que construam um cronograma de abandono global dos combustíveis fósseis, com metas, datas e orçamento adequados. É isso que se espera de um líder climático, como o presidente ambiciona ser. E é isso que a COP30 precisa para ser a “COP da Verdade”, como Lula mencionou na Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro, e a “COP da implementação”, como almeja a presidência brasileira da conferência.



