
Ao invés de reconhecer a realidade dos impactos ambientais do projeto de asfaltamento do chamado “Trecho do Meio” da BR-319, no sul do Amazonas, políticos da região preferem ilações e acusações caluniosas contra veículos de imprensa.
A Folha relatou as acusações feitas pelo senador Eduardo Braga (MDB/AM) contra o próprio veículo após a publicação de uma reportagem sobre o desmatamento que o empreendimento já está causando, antes mesmo de ser iniciado. Segundo o parlamentar, o jornal teria forjado uma placa que anunciava a venda de lotes nas margens da rodovia.
“A matéria mostrando uma placa dizendo que estavam vendendo um terreno ao longo da BR-319. Nós passamos por lá e não vimos placa nenhuma”, disse na 2ª feira (29), na inauguração de um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) em Manaus.
Ao lado do também senador Omar Aziz (PSD/AM), do prefeito David Almeida (Avante) e do ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho (Republicanos), Braga afirmou que “é muito fácil plantar uma placa, bater uma foto e dizer para o Brasil todo, que não conhece a BR-319, que a BR-319 está sendo devastada porque nós vamos querer asfaltar a BR-319”.
Em resposta, a reportagem fez contato por WhatsApp com um dos anunciantes que, em uma placa rústica, anunciava a venda de 186 hectares de terra no trecho do meio. Um homem jovem respondeu que tem “título definitivo” dos dois lotes em uma “área de mato”, cortada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), e que estariam sendo vendidos por R$ 800 mil.
Diferente do que os senadores alegam, a BR-319 não está preservada. A reportagem mostrou diversos focos de queimadas, destruição e degradação ambiental.
Não é de hoje que políticos usam o asfaltamento da BR-319 como chamariz para votos. O senador Aziz chegou a acusar a falta de asfaltamento do chamado “Trecho do Meio” da BR-319 como um dos responsáveis pela crise de oxigênio em Manaus durante a pandemia de COVID-19, em 2020. No entanto, estudos científicos publicados em periódicos internacionais já desmentiram a argumentação, mostrando que o transporte fluvial pelo rio Madeira teria sido mais rápido, barato e eficiente.
A área de influência da BR-319 vai muito além da sua borda. Em outubro de 2023, um levantamento feito pelo InfoAmazonia a partir de dados do INPE mostrou que os ramais que interligam a rodovia com as rodovias estaduais AM-254, AM-354, AM-364 e AM-366, registraram 1.800 focos de calor de janeiro a setembro.
Um estudo da Climate Policy Initiative (CPI), realizado em conjunto com o Projeto Amazônia 2030, mostra que o asfaltamento da BR-319 pode causar impactos em cerca de 300.000 km² da Amazônia – uma área maior que o estado de São Paulo.
O Vocativo abordou um estudo da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) que indica o risco do aumento de enchentes na região da rodovia caso o asfaltamento saia do papel. Isso seria em virtude da baixa altimetria da região e da proximidade do nível da água subterrânea com a superfície.
Já a Revista Cenarium destacou a avaliação feita por especialistas em infraestrutura de que o asfaltamento integral da BR-319, mesmo em ritmo acelerado, demoraria dez anos ininterruptos, por conta das limitações impostas pelo clima e carência de jazidas de insumos ao longo do traçado.



